Picasso
foi sempre para mim o que de mais misterioso há, na evidência.
Assim,
um trazer-me pela mão, para reconhecer o real.
Como
o mestre sabia, e como ninguém mais,
o
lado de dentro e o de fora das coisas
nem
sempre me foi fácil seguir os perfis imprevistos
com
o que os unia o seu traço poderoso.
Ele
tinha o segredo desse alfabeto da realidade
e
o modo de usar
foi
outro segredo que também era seu.
Ninguém
podia servir-se desses seus segredos
porque
se percebia logo do que se tinha servido.
Por
isso Picasso é único.
Depois
de Picasso já não nos lembramos
de
como seria a pintura antes de Picasso,
quer
dizer:
o
que teve de fazer, foi de tal modo feito por ele
que
acabou por se tornar absolutamente natural.
Foi
assim que o século XX nasceu com a palavra
moderno
assinada
pela mão de Picasso
e
ficou esperando pelo pintor, quase outra tanto tempo,
porque
todos os que lhe faziam companhia
só
Picasso tinha a caligrafia mais certa
para
essa palavra.
Houve,
ainda, outra palavra criada para a sua caligrafia
Que
deve escrever-se com um hífen
Logo
a seguir ao seu nome, assim:
Picasso-Vida
e
se quisermos dar um motivo a esse risco ou um nome
podemos
chamar-lhe, sem receio, amor,
querendo
dizer por exemplo (oh, os exemplos são tantos!)
um
corpo de mulher, uma cor
uma
estrela, um pedaço de arame torcido entre os dedos,
uma
criança, o Minotauro,
um povo,
ou
ainda, a alegria, a gargalhada, a pirueta
e
o drama,
a
tragédia e a tensão do grito
na
surpresa enorme
e insubstituível
da
invenção de um rosto para todas as horas do mundo.
Fernando de Azevedo
Legenda: Auto-retrato, 1907
Sem comentários:
Enviar um comentário