Não conheci pessoalmente Luís Veiga Leitão, mas Marta Cristina Araújo, que com ele privou, falou-me da sua extrema sensibilidade, da sua cultura, da sua luta política contra o fascismos, dos maravilhosos desenhos, com que ilustrou alguns dos seus livros.
Daniel Filipe tem um bonito texto sobre os cafés do Porto e segundo o jornalista Germano Silva, o café que Daniel
Filipe invoca nessa crónica, é o Café
Rialto, que já
não existe. Ficava na Praça D. João I e uma das tertúlias reunia o
Daniel Filipe, o Egito Gonçalves, o Papiniano Carlos, o Luís Veiga Leitão, o
António Rebordão Navarro, às vezes o José Augusto Seabra. Mantinham na altura
uma colecção de poesia: Notícias do Bloqueio.
Na Biblioteca
da Casa havia pouquíssimos livros de poesia: Bocage, Luís de Camões, José
Régio, Cardoso Marta, pouco mais.
Os poetas que
nos impingiam nas Selectas Literárias, por onde estudei, eram uma treta. Falei
ao meu pai sobre a necessidade de alargar horizontes que falassem de futuro,
amanhãs, revolta, liberdade, esperança, luta, paz.
Pôs-se em campo e sugeriram-lhe os diversos
poetas da Colecção Poetas de Hoje editada pela Portugália.
Foi aí que,
entre outros, conheci Luís Veiga Leitão, o nº 16 da Colecção, Ciclo de Pedras, com prefácio de Fernando Guimarães.
O poema que
hoje se publica pertence a Noite de Pedra.
Em 30 de Março de 1952 Luís Veiga Leitão
foi preso pela PIDE e ficou em Caxias cerca de um ano. Na cela 13 do Aljube,
incomunicável, iniciou a redacção mental dos poemas que memorizava, dizendo-os
repetidas vezes em voz alta e foi-os guardando na memória, os guardas a ouvi-lo
chegaram a pensar que estava louco. Veiga Leitão considerou esses poemas, ao
todo 20 poemas, um diário de prisão, e um itinerário das cadeias por onde
passou: Pide do Porto, Aljube e Caxias. Viria a publicá-los em 1955 num livro
com o título Noite de Pedra - imagens
da noite fascista e que foi apreendido e proibido pela censura.
Este livro contém outros dois lindíssimos
poemas: A Uma Bicicleta Desenhada na Cela
e Manhã.
A UMA BICICLETA DESENHADA NA CELA
Nesta parede que me veste
da cabeça aos pés, inteira,
bem hajas, companheira,
as viagens que me deste.
Aqui,
onde o dia é mal nascido,
jamais me cansou
o rumo que deixou
o lápis proibido...
Bem haja a mão que te criou!
Olhos montados no teu selim
pedalei, atravessei
e viajei
para além de mim.
MANHÃ
-Bom dia. Diz-me um guarda.
Eu não ouço...apenas olho
das chaves o grande molho
parindo um riso na farda.
Vómito insuportável de ironia
Bom dia, porquê bom dia?
Olhe, senhor guarda
(no fundo a minha boca rugia)
aqui é noite, ninguém mora,
deite esse bom dia lá fora
porque lá fora é que é dia!
Eduardo
Guerra Carneiro em Homenagens, do seu livro Contra a Corrente,
inclui um poema dedicado Luís Veiga Leitão.
Luís Veiga Leitão é o pseudónimo de Luís
Maria Leitão que nasceu em Moimenta da Beira a 27 de Maio de 1912 e morreu em
Niteroi a 9 de Outubro de 1987, onde se encontrava de visita a convite do
presidente José Sarney. Tinha 75 anos.
Foi escriturário da 7.ª Brigada
Cadastral da Federação dos Vinicultores da Região do Douro, mas foi demitido
por ser contra o regime salazarista. Foi delegado de informação médica de
vários laboratórios farmacêuticos.
Para além de poesia, escreveu crónicas
de viagens e de costumes. Foi também artista plástico, dedicando-se ao desenho.
Talvez seja possível encontar os seus
livros em feiras de oacasião ou alfarrabistas mas, em Setembro de 2005, a
Editora Asa publicou a Poesia
Completa de Luís Veiga Leitão.
Um poeta a (re)descobrir.
Legenda: Auto-Retrato de Luís Veiga Leitão.
Sem comentários:
Enviar um comentário