A Maravilhosa Viagem de Nils Holgersson Através da Suécia
Selma Lagerlof
Tradução: Maria de Castro Henriques Osswald
Editora Educação Nacional – António Figueirinhas,
Porto 1936
Era
uma vez um rapaz de cerca de catorze anos, alto, desengonçado, de cabelos
fulvos como estrigas. Não se pode dizer que fosse grande coisa. As suas
ocupações favoritas eram comer e beber; e também gostava de pregar a sua
partida.
Um
domingo, de manhã, os pais preparavam-se para ir à missa; em mangas de camisa,
a cavalo numa das esquinas da mesa, estava todo satisfeito por os ver sair e
pensava na delícia de ser senhor de si durante algumas horas: «Agora é que fico
à vontade para ir buscar a espingarda do meu pai», pensava com os seus botões,
«e disparar dois ou três tiros sem que ninguém dê por isso.»
Parece
que o pai lhe adivinhou os projectos, porque à saída parou na soleira da porta
e disse:
—
Já que não queres vir connosco à igreja, podes ao menos entreter-te a ler em
casa o texto da Escritura. Prometes fazer isso?
— Sim, se é essa a sua vontade... Pensava,
porém, ler só o que muito bem lhe agradasse.
A
mãe nunca fora tão pronta; num abrir e fechar de olhos, dirigiu-se à pequena
prateleira pregada na parede, procurou a bíblia, pô-la sobre a mesa que estava
em frente da janela, e abriu-a no sítio do evangelho do dia. Depois aproximou
da mesa a grande cadeira de braços, comprada no ano anterior no leilão da casa
presbitério de Vemmenhög e onde, habitualmente só o pai tinha o direito de
sentar-se.
O
rapaz entretinha-se a pensar que não valia a pena a mãe ter tanta canseira com
tantos preparativos, porque decerto só leria uma ou duas páginas. Mas o pai,
que parecia adivinhar- -lhe as intenções, disse-lhe com severidade:
—
Vê lá se lês com toda a atenção; olha que, quando voltarmos, hás-de
explicar-me, página por página, o que leste, pobre de ti se não me responderes!
E
a mãe acrescentou:
— A prática consta de catorze páginas e meia.
Se queres acabar a tempo, seria conveniente começares já.
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