Woody Allen esteve ontem na Cinemateca à
conversa com Ricardo Araújo Pereira, seguindo-se a exibição de «Mannhatan de
que gosto muito.
Quando me falaram que a conversa ia acontecer,
pensei em ir.
Primeiro porque entendi mal e pensei ser
uma conversa do Ricardo a falar de Allen. Era um diálogo sem tradução e o meu
inglês-cais-do-sodré, não dá para tanto. Por fim, pensei que aquilo seria um
Kaos, não só pelo realizador Tenho o meu
público fiel e limitado", Mas mais por causa dos admiradores de Ricardo
Araújo Pereira.
Metade da sala da Cinemateca
destinava-se a convites e a bicha para adaquirir os bilhetes, segundo os
jornais, chegava à Aveniva da Liberdade.
A maior pena que me resta é que seria,
provavelmente, a última vez que podia ver «Manhattan» na sala escura de um
cinema.
Mas o Outono está a chegar, com ele o suave
e maravilhoso cheiro das maçãs-reineta assadas no forno, da marmelada nova.
Sempre lembro de me perguntar: os
marmelos anunciam o fim do Verão ou o princípio do Outono?
Uma pergunta, como outra qualquer, e
para a qual não se exige resposta.
A minha avó fazia a marmelada no findar
de Setembro.
Ficava sempre uma tigela guardada para a
véspera de Natal.
Também enchia grandes frascos com
quartos de marmelo que eram cosidos em água e açúcar.
José Gomes Ferreira a abrir, 1 de
Outubro de 1965 o 1º volume dos seus Dias
Comuns:
«Entreguei há 3 dias, na Portugália, (e com que desalento desabrido) o meu
Diário Inventado. E hoje, talvez para amortecer este fogo frio, que tanto me
tortura nas antevésperas da publicação de livros novos, acordei a perguntar-me;
“e se eu agora escrevesse (mas só para mim) um diário real dos dias comuns – no
seguimento do fadário diarístico que me persegue desde a infância?” (Diários,
diários, diários!....). Demais, está uma manhã de sol dourado, com folhas secas
a apodrecerem o chão de amarelo e aquele brisa fina de haver alguém no ar a
esgrimir um florete de toque invisível que nos arrepia a pele – tema mesmo de
propósito para esta primeira página. Pois, se bem me recordo, quase todos os
meus diários do passado nasceram sob o signo do friozinho outonal e dos
marmelos assados – oferecidos no lusco-fusco dos pregões friorentos de Lisboa…
Mas vou desfazer o tema. Basta de literatura e de marmelada.»
Legenda: a imagem, fotografia de Rui
Gaudêncio no Público, mostra parte do Kaos à porta da Cinemateca.
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