quinta-feira, 15 de setembro de 2011

IDÍLIO EM BICICLETA






















“Valparaíso descobre-se através dos intrincados becos, ruas, passeios, escadas, jardins, hortas, murais e pessoas que povoam o “museu a cielo abierto”. Na “estacion a cielo abierto”, pode-se entrar para tomar um chá ou um sumo natural, e ser convidado a entrar num intrincado edifício labiríntico, que é, simultaneamente, habitação, galeria, atelier, estúdio, tienda e sabe-se lá que mais: Valparaíso, já se vê.

Valparaíso sobe até “la Sebastiana”, de onde Neruda espreitava os barcos na baia e os barcos da sua colecção. De onde soltava o olhar ao mundo e aos homens, para o cravar nas folhas brancas, enchendo-as de poesia e realismo certeiro e doloroso. Hoje, é grande a fila para visitar a casa museu, para caminhar envolto na poesia que escorre das paredes, traduzida em várias línguas, incluindo a de Camões. Hoje não se vêm os barcos na baía, porque o nevoeiro os tragou, mas vêm-se os de Neruda e ouvem-se os seus brados flamejar das paredes.

Valparaíso degusta-se no vinho a copo em qualquer restaurante; na cazuela de ave ou vacum; nas empanadas de piño, jamon, queso, marisco, camaron, e mais não sei quantas combinações; nos ricos pratos de marisco e pescado que servem os restaurantes/tascas nas imediações do “mercado”, frente ao molle Pratt; nos gelados deliciosos e pastelaria infindável que dão cor e forma às vitrinas; nos piscosur que se servem pelos bares escuros, de madeira enegrecida, balcões corridos e bancos altos.

Valparaíso prende-nos no riso aberto, voz doce e abraço cálido da Rocio, uma jovem designer, vendedora num atelier de moda; na voz enérgica, verbo fácil e abraço fraterno da Daysi, jovem bailarina que concluiu a formação em Paris, onde espera voltar “temprano”; no olhar melancólico, sorriso contagiante, vontade férrea, abraço paralisante da Holly, jovem mãe neozelandesa, acabada de chegar com o adorável filho Nico para (re)construir a vida e dar uma base estável ao Nico; na espontaneidade do Leonel, um quase sexagenário professor do “sul”, em visita à filha, com quem me cruzei no porto, me convidou para tomar uma “cervezita” (quase fuzila o barman com o olhar quando lhe pede 4000 pesos – mais de 4€!! – pelas duas cervejas, o que o leva a baixar para três mil) e me tem “acompanhado” pelo blog, mail e telefone, mandando-me informação sobre o tempo, locais turísticos e mesmo o contacto do comandante de bombeiros da sua região, como “carta de recomendação” para o eventual contacto com qualquer outra corporação ao longo do país – em caso de dificuldade, os bombeiros são sempre um refúgio e uma ajuda. Claro, o Leonel ficou desapontado por não passar na sua terra – Concepción – onde a mulher já tinha preparado alojamento para mim e ele planeara um circuito turístico pela região. Obrigado, uma vez mais, estimado amigo Leonel!

Valparaíso encerra um universo de diversidade, contradição, disparidade, degradação, decadência, autenticidade, criatividade, calor, mistério, como não recordo de qualquer outra cidade. Valparaíso é uma cidade onde se somam e se encontram apenas aldeias, excluindo, claro está, como em todas as cidades, a desalmada baixa comercial, com os seus estandardizados bancos, supermercados e lojas de moda, electrodomésticos, telecomunicações. Valparaíso é uma cidade que fica na alma ou no esgoto – de quem não tiver alma…”

Texto e imagens de Idílio Freire.

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