quarta-feira, 7 de setembro de 2011

IDÍLIO EM BICICLETA ESPECIAL


“Por fim, o fim... Treze meses e meio depois, trinta mil quilómetros percorridos, mil novecentas e quarenta horas a pedalar, cheguei a Ushuaia, “a cidade mais austral do mundo”, como se auto-intitula. Não era um sonho, como tantos me foram perguntando ao longo do percurso; tão pouco era uma “missão”; muito menos uma obsessão. Era tão-somente o desejo de viver a vida com intensidade, para além do quotidiano e da rotina, para além do estereótipo ocidental: nascer-estudar-trabalhar(“carreirar”)-reformar-se-morrer; de conhecer para além da porta de casa, do jornal, da revista, do documentário, da imagem trabalhada, seleccionada, “censurada”; de sentir. De viver outras vidas na minha própria vida. E não me desiludi, nem por um momento lamentei a decisão e estou absolutamente seguro de ter tomado poucas decisões tão acertadas na vida. Vivi muito nestes “poucos” meses. Sinto ter vivido mais de uma vida neste pouco mais de um ano. Vivi cada dia – não digo cada hora, para não exagerar nem parecer exagerado – mas senti-me transbordar tantas vezes… e nesses momentos gritava, cantava, assobiava, gargalhava, insultava, pedalava desabridamente até sentir os músculos arderem de esforço, e sentia-me flutuar, transcender-me, violar as regras físicas e pertencer a outro universo – estava louco, louco com o prazer de ser livre e poder ser louco; louco por existir, ter plena consciência de existir, sentir o prazer de existir e o sabor único da vida. Mas esta viagem não passaria de um efémero desfile de (belíssimas) paisagens e quilómetros, sem a marca profunda, tantas vezes emotiva e indelével de largas dezenas de crianças, mulheres e homens com quem me cruzei. Não os vou buscar para este epílogo, mas enquanto escrevo, os seus olhares desfilam no meu olhar; as suas vozes soam aos meus ouvidos; a sua tristeza ou alegria, pesam-me na alma.

                             

É nestes momentos que gostava de crer na vida para alem da morte, e poder esperar reencontrar cada olhar, cada voz, cada sorriso, especialmente os tristes, cada mão que apertei, cada abraço que partilhei. A todos os que me cumprimentaram, acenaram, buzinaram, deram sugestões e informações – umas vezes certas, outras erradas mas, estou seguro, sempre bem intencionadas; a todos os olhares, sorrisos, calorosos abraços, intensos apertos de mão, amistosas conversas, votos de boa viagem, boa sorte, êxito; a todos os que me acolheram, alimentaram, abriram a porta de casa e até das próprias vidas; a todos, um enorme e fraterno abraço e um eterno obrigado. A todos os que tiveram paciência para, por mais de 110 000 vezes, so far, “provar” do bacalhaudebicicletacomtodos e, em especial, aos que foram deixando lisonjeiros e estimulantes comentários, um enorme obrigado.
Aos meus amigos, não preciso de lhes agradecer – por isso somos amigos… À minha família, agradecerei pessoalmente.


P.S. a viagem chegou ao fim, mas ainda há mais duas ou três receitas para os interessados em bacalhau: norte do Chile, centro do Chile(?) e Argentina… estão praticamente concluídos.”


Nota do editor:

É um dia feliz.

Este é o post que Idílio Freire, um engenheiro de almas e sonhos, como alguém lhe chamou, colocou no blogue que o acompanhou em toda esta louca e bonita a aventura de um "Português na Pan Americana". 

Disse Tagore que “há dois tipos de aventureiros: aqueles que genuinamente vão em busca de aventura e os que secretamente esperam não a encontrar.

Por mim fico a pensar que o Idílio não se revê nesta frase do poeta, porque só ele sentiu a ideia mítica/simbólica de ir de um pólo a outro, de bicicleta.

Tal como disse numa entrevista ao “Diário de Notícias” de 11 de Dezembeo de 2010 ia a viagem nos sesu primeiros (?) quilómetros:

“Para mim, a vida é a soma das experiências e das memórias vividas e viajar é, porventura, a sua maior fonte de alimento. Quando viajo, todos os caminhos são novos para mim e busco em cada curva da estrada esse alimento.


É, pois um dia feliz, e no frigorifico já mora uma garrafas de espumante à espera que o Idílio entre porta dento.

E, tal com ele disse, vamos ter, desta longa viagem,  mais episódios. 

3 comentários:

Anónimo disse...

E agora haverá que, rapidamente, passar à fase seguinte, que é a de pôr tudo isso em livro, sem cortes nos textos porque em relação às fotografias é fatal que assim terá de ser. Dado o manifesto interesse da obra, certamente que não faltarão editores a bater à porta...

E, Sam, dada a sede que o rapaz deve trazer, uma só garrafita de espumante.... Francamente, nem parece seu...!

sammypaquete disse...

Caro anónimo das 09,39:Inadvertivamente uma graha caíu por aqui.Se ler de novo o texto, verificará que se fala em "uma garrafas e aqui o importante é o plural das ditas.Ficará tal como está. Quem que me conhece sabe que em termos de garrafas de espumante,há sempre uma por cabeça, outra como reforço e outra "for the road".
Só falta o Idílio chegar!...

aida disse...

Ìdilio.
Sabes como te admiro por toda a tua força, mas tambem pela ternura com que tu nos presenteastas em todos os teus textos.
Estou como todos á tua espera cheia de vontade de te dar aquele abraço e ouvir o resto das histórias.
Um beijinho e boa viagem de regresso.
Aida.