Estávamos em Maio, o mês das flores. Mas em Nova
Iorque não há fragrância de flores, há o cheiro dos homens que correm atrás da
vida e há o cheiro do cimento que lhes absorve as horas e as ideias, por causa
do dinheiro. Naquele momento, eu era um dos poucos novaiorquinos que não corria
atrás de coisa alguma: dinheiro, poder, mulheres ou a juventude perdida. E se
não fosse a circunstância de ter contra mim o Sindicato do Crime e a Mafia,
podia considerar-me do lado de fora da maior competição fratricida do mundo,
uma espécie de Jogos Olímpicos do Dólar. Ou uma peça chamada Estados Unidos da
América, com milhões de figurantes seguindo a bandeira do Dólar, com dólares
desenhados nos olhos, com dólares escondidos no coração, com dólares
atravessados na garganta, dias muito dinâmicos e noites muito cansadas,
publicidade, bairros de lata e arranha-céus, publicidade, combates de boxe e
avenidas a «néon», publicidade, o eterno problema dos negros e «compre hoje
mesmo o seu frigorífico», publicidade, mais material de guerra e «sorria como
William Holden», publicidade, comprimidos para lembrar e comprimidos para
esquecer, publicidade, e a manhã que nasce e tudo recomeça.
O meu último contrato rendera-me bom dinheiro. Partira
para Roma seis meses antes. Parto sempre para Roma quando não me sinto seguro.
Revejo a Capela Sistina, as garotas da Praça de Espanha, vejo o último Fellini
ou o último Rosselini, compro livros que dificilmente encontro nos Estados
Unidos, e espero que Johnny Arteleso, meu companheiro de infância e meu único
verdadeiro amigo, me diga de Nova Iorque que o tempo está sereno. Então
regresso.
Dennis McShade
em Mulher e Arma Com Guitarra Espanhola
Legenda:
pormenor da capa feita por Antunes para a edição do Círculo de Leitores de Mulhere Arma Com Guitarra Espanhola.
Sem comentários:
Enviar um comentário