No dia 31 de
Março, terminei a peregrinação por algumas das páginas do livro que Cristina
Carvalho escreveu sobre o seu pai, Rómulo de Carvalho, também poeta António
Gedeão.
É tempo de
cumprir promessa aqui deixada no dia 17 de Maio de 2011, dia em que comprei, na
Feira do Livro, Memórias de Rómulo de Carvalho e em que deixei escrito
que voltaria a falar do livro.
Li-o, então, de
uma assentada, muitas vezes já o revisitei e, agora, é tempo de cumprir a
promessa.
Trata-se de um livro
comovente, lindíssimo, envolvente, 557 páginas, o delicadíssimo prazer de
escrita de alguém, que, para meu grande espanto, a escassos 14 dias de morrer,
deixou escrito:
A vida nunca me
seduziu. Entre o viver e o morrer sempre preferi o morrer. Se não tivesse
nascido, ninguém daria pela minha falta. Reconheço que estou a ser indelicado
com todos aqueles que gostam de mim, mas peço-lhes que me desculpem.
Estas são as
primeiras palavras da Introdução das Memórias de Rómulo de Carvalho:
Pois queridos filhos dos netos dos meus netos, tão
queridos quanto é certo que nunca teremos trato pessoal. É fácil amarmos as pessoas
à distância e por isso nos condoemos dos que padecem quando temos notícias dos
sofrimentos, através dos meios de comunicação social. Se as conhecêssemos
pessoalmente diríamos que tinham tido o que mereciam, e voltávamos a página. Eu
amo-vos por princípio, mas como já haverá tanto sangue diverso entrecruzado nas
vossas veias,, pouco teremos de comum.
Saí há dois dias do hospital onde fui sujeito a uma
intervenção cirúrgica. Não sei se lá para meados do século XXI precisarão de
consultar uma enciclopédia para saberem o que é um hospital. É um
estabelecimento onde se recolhem as pessoas necessitadas de cuidados médicos
que exigem vigilância activa e o emprego de aparelhagem que não se tem em casa.
Recorri ao hospital porque o meu coração (sabem o que é?) precisa de conserto.
Enquanto os corações normais funcionam ao ritmo de 70 pulsações por minuto, o
meu, pobrezinho, tímido, inadaptado, envergonhado, trabalhava com metade
daquele valor. Vinha assim decrescendo, em frequência, desde anos atrás, e
preparava-se para me dar uma morte suave, com um suspiro, mais dia, menos dia.
No hospital estenderam-me numa cama, abriram-me o peito com um golpe, à frente,
à esquerda e em cima, quase a tocar no ombro, e por aí introduziram uma
caixinha misteriosa, pequenina e complexa, superiormente sábia, que lá ficou
escondida debaixo da pele e do tecido muscular. Da caixinha sai um tubo fininho
que foi enfiado ao longo de uma veia até que a ponta tocasse no coração,
metendo-o na ordem, fazendo-o pulsar com a frequência devida. Que métodos tão
atrasados! Como era aquilo naquele tempo! Dirão vocês. E eu direi: que
extraordinário progresso!
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