sexta-feira, 14 de abril de 2017

OLHAR AS CAPAS


Guardas de Passagem de Nível

Carlos Cipriano
Capa: Inês Sena
Fundação Francisco Manuel dos Santos, Lisboa, Fevereiro de 2017

Gilberto Gomes, que tem investigado a história do caminho-de-ferro em Portugal, conta que quando as linhas foram construídas e passaram à fase de exploração se privilegiou a contratação de mulheres para desempenhar as funções de guardas de passagem de nível. É isso que explica que esta profissão seja essencialmente feminina. Os poucos homens guardas de passagem de nível que existiam, tendo o mesmo tipo de trabalho, ganhavam mais. Por isso, saía mais barato contratar mulheres.
A guarda de passagem de nível foi sempre a mais mal paga de todas as profissões ferroviárias. E também a única aberta ao sexo feminino. Seria necessário esperar pelos anos trinta do século XX para que as primeiras mulheres com outras funções entrassem na CP, sobretudo enfermeiras e empregadas de bilheteira. Só depois do 25 de Abril, e acompanhando o que aconteceu na sociedade portuguesa, houve um afluxo significativo de mulheres a este sector, até para maquinistas, uma profissão até então vista como intrinsecamente masculina. Ainda assim, seria preciso esperar até 1997 para que, pela primeira vez, uma mulher integrasse o conselho de gerência da CP.
Além do magro salário, as condições de vida das primeiras gerações de ferroviários eram miseráveis. As guardas de passagem de nível viviam, tal como os trabalhadores das linhas, em barracas de madeira. A prioridade era fazer chegar os carris cada vez mais longe e construir a linha. As estações, os edifícios de apoio, o alojamento do pessoal, ficavam para depois.
Por isso, os ferroviários viviam em barracas, ou mesmo em vagões de carga estacionados nos ramais, até que construíssem os edifícios das estações.

As guardas das passagens de nível foram as últimas a ser contempladas com casas. Durante anos, longe das vilas e aldeias isoladas ao longo das ilhas, à entrada de túneis, em trincheiras onde quase nunca entrava o sol, perdidas em zonas de montanha ou desterradas na planície, continuaram a viver em barracas à espera que o progresso que o monstro de carvão e aço arrastava atrás de si as brindasse com uma habitação minimamente digna.

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