Os filmes de Wim
Webders foram, há semanas, revisitados no Nimas, em Lisboa, sim ainda é uma
sala de cinema.
E, necessariamente,
teria de ser exibido Paris,Texas esse belíssimo filme de Wim Wenders, pensado,
escrito, filmado em total estado de graça, tudo envolvido na magnífica banda
sonora criada por Ry Cooder, que teve o feeling de ir buscar uma velha canção
mexicana, uma canção que tem tanto de bonita como de arrepiante:
Qué lejos estoy del suelo donde he nacido
inmensa nostalgia invade mi pensamiento
y al verme tan solo y triste cual hoja al viento
quisiera llorar, quisiera morir de sentimiento.
Qué lejos estoy del suelo donde he nacido
inmensa nostalgia invade mi pensamiento
y al verme tan solo y triste cual hoja al viento
quisiera llorar, quisiera morir de sentimiento.
De notar as
extraordinárias interpretações e de Harry Dean Stanton no papel do solitário
Travis e de e Nastassja Kinski, no papel de Jane.
O filme foi escrito por Sam Shepard e tem um dos mais extraordinários diálogos, arrepiante diálogo, do cinema: «I Knew These People.»
O filme foi escrito por Sam Shepard e tem um dos mais extraordinários diálogos, arrepiante diálogo, do cinema: «I Knew These People.»
Há uma boa dezena de
anos, copiei, do blogue «Paixões e
Desejos», feito por Paula e Rui Lima, o longo diálogo entre Travis e Jane.
Nunca mais consegui
aceder a este blogue.
Desconheço os motivos.
O que quer que se tenha passado, lamento.
O que quer que se tenha passado, lamento.
Distinguido com o
Grande Prémio do Festival de Cannes de 1984, Paris, Texas conta a história de
um homem que sofre de amnésia e da sua luta para reconstruir uma vida feita em
pedaços. Travis regressa a Paris, no estado do Texas, ao fim de quatro anos,
porque uma das poucas coisas de que ainda se lembra é de a sua mãe lhe ter dito
onde ela e o seu pai fizeram amor pela primeira vez.
Paris, Texas é um
filme de solidões e de solitários. Travis, boné vermelho na cabeça, pelo
Deserto Mojave à procura dos passados que cada um de nós transporta, amarguras
profundas, nostalgias, melancolias, o outro lado do arco-íris.
Há quem diga que só
andamos por aqui a administrar a nossa solidão.
Nascer é inaugurar a
solidão, escreveu o Álvaro Guerra.
Nunca aprendemos a
dizer adeus, ou se aprendemos, aprendemos mal.
Alguém terá que andar
só para os outros andarem acompanhados, deixou escrito Virgílio Ferreira.
O que fica?
Talvez um perfume
ligeiro, uma qualquer ventania a varrer o Deserto Mojave, ou qualquer outro
deserto, que abre o coração ao meio e que talvez permita alguém falar, com alguma
peculiaridade, de um bem-estar na solidão.
Perguntaram isso ao
Alexandre O’ Neill.
Ele respondeu: a
solidão procurada é boa a não procurada, às vezes, é chata.
Quem viu o filme,
lembra que o diálogo entre Travis e Jane ocorre numa pequena sala de "peep-show",
separados por um vidro que lhe permite a ele vê-la a ela, mas não o
contrário:
Travis – Posso dizer-lhe uma coisa?
Jane – Tudo o que quiseres!
- Vai levar tempo.
- Tenho o tempo todo.
- Eu conhecia-os.
- Quem eram?
- Duas pessoas... Amavam-se uma à outra... A rapariga era muito nova, 17 ou 18 anos. E o homem era bastante mais velho. Era rude e selvagem. E ela era muito bela.
- Sim.
- Ambos faziam de tudo uma aventura. E ela gostava disso. Uma simples ida à mercearia já era uma aventura. Riam de coisas estúpidas. Ele gostava de a fazer rir. Pouco se importavam com o resto, pois só queriam uma coisa... estarem um com o outro. Estavam sempre juntos.
- Deviam ser muito felizes...
- E eram. Verdadeiramente felizes. Ele amava mais... do que julgava ser possível. Não suportava estar longe dela quando trabalhava. Então largava o trabalho. Só para estar com ela em casa... Quando faltava o dinheiro arranjava outro trabalho. E deixava-o também. Mas não tardou que ela se inquietasse.
- Porquê?
- Pelo dinheiro, suponho. Por não ter bastante.
- Uhm...
- Por não saber quando chegava o cheque
- Sei o que isso é.
- Ele então começou a atormentar-se.
- Como assim?
- Por ter de trabalhar para a sustentar, mas não suportou estar longe dela.
- Ah!
- Quanto mais longe dela estava mais enlouquecia. Até que enlouqueceu mesmo. Pôs-se a imaginar coisas.
- Que coisas?
- Que ela encontrava outros homens na sua ausência... Ao voltar do trabalho acusava-a de ter estado com outro. Berrava, partia coisas na caravana.
- Na caravana?
- Sim, eles viviam numa caravana.
- O senhor não veio ver-me no outro dia? Sem ser indiscreta...
- Não.
- Oh! Julguei reconhecer a sua voz.
- Não! Não era eu.
- Continue.
- Ele então começou a beber muito. Voltava tarde, para a pôr à prova.
- Pô-la à prova como?
- Para ver se ela tinha ciúmes.
- Ah!
- Queria que ela tivesse ciúmes, mas ela não os tinha. Só se inquietava por ele, o que o enfurecia ainda mais.
- Porquê?
- Por pensar que ela não queria saber dele. Os ciúmes seriam sinal de que o amava. Então uma noite... ela disse-lhe que estava grávida. De três ou quatro meses, e ele não sabia. Então tudo mudou. Ele deixou de beber e arranjou um trabalho fixo. Convenceu-se de que ela o amava, pois trazia um filho dele. Ia consagrar-se inteiramente a dar-lhe um lar. Mas aconteceu uma coisa estranha.
- O quê?
- De começo ele nem reparou que ela tinha mudado. Desde que nascera o menino, tudo a irritava. Tudo a enfurecia. Mesmo o menino lhe parecia uma injustiça. Ele esforçava-se por lhe agradar. Dava-lhe presentes. Levava-a a jantar fora, todas as semanas. Mas nada a satisfazia. Durante dois anos, ele fez tudo para voltarem a ser como eram no começo. Mas acabou por compreender que era impossível. Então voltou a beber, mas as coisas azedaram. Quando voltava tarde ela não estava inquieta, nem ciumenta. Estava enraivecida. Acusava-o de a ter sequestrado fazendo-lhe um filho. Dizia-lhe que sonhava fugir. Não sonhava com outra coisa: fugir. Via-se a correr de noite... toda nua, através dos campos, sempre a correr. E sempre que ela estava prestes a invadir-se, ele aparecia a detê-la. Aparecia e detinha-a. Quando ela lhe contava esses sonhos, ele acreditava. Sabia que se a não detivesse ela fugiria. Prendeu-lhe uma campainha ao tornozelo, para a ouvir, se ela tentasse levantar-se de noite. Ela aprendeu a abafar a campainha com uma peúga, e a esgueirar-se da cama. Mas a peúga caiu quando ela já ía na estrada. Ele agarrou-a e amarrou-a ao fogão com o cinto. Deixou-a ali e tornou-se a deitar. Ouviu-a gritar, sem se mover. Depois ouviu o filho aos gritos... e admirou-se de não querer saber de nada. Tudo o que queria era dormir. E, pela primeira vez desejou estar longe dali. Perdido num vasto país onde ninguém o conhecesse. Num lugar sem linguagem e sem ruas. Sonhou com esse lugar sem lhe saber o nome. E quando despertou.... estava a arder. Chamas azuis queimavam os lençóis da cama. Correu para os dois únicos entes que amava... Mas tinham partido. Tinha os braços em brasa. Saiu para fora da casa e rolou-se no chão molhado... E depois correu. Nunca se voltou para ver o fogo. Só correu. Correu até ao nascer do sol. Até não poder mais. E quando o sol se pôs tornou a correr. Correu assim durante cinco dias. Até que sem deixar sinais... desapareceu.
- Travis...
- Se apagares a luz aí dentro, poderás ver-me?
- Não sei... nunca experimentei.
- Podes ver-me?
- Sim.
- Reconheces-me?
- Oh! Travis...
- Trouxe o Hunter comigo. Não queres vê-lo?
- Sim. Queria tanto vê-lo, que não ousava imaginá-lo. A Anne mandava-me fotografias dele. Pedi-lhe que deixasse de as mandar. Não suportava a dor de o ver crescer longe de mim.
- Porque não ficaste com ele?
- Não podia. Não tinha aquilo de que ele necessitava. Não queria utilizá-lo para encher o vazio da minha vida.
- Ele agora precisa de ti Jane. E quer ver-te.
- Ele quer?
- Está à tua espera.
- Onde?
- Na cidade. Num hotel. Le Meridien... quarto 1520.
- Tu não te vais embora, pois não?
- Eu não posso ver-te Jane.
- Não vás ainda... Não vás ainda... Fazia-te grandes discursos depois de partires. falava-te a toda a hora, mesmo só. Enquanto caminhava, meses a fio. Agora... não sei o que dizer. Era mais fácil quando te imaginava que me respondias, tínhamos longas conversas os dois. Era como se lá estivesses. Via-te, sentia o teu odor. Ouvia a tua voz. Ás vezes a tua voz despertava-me, a meio da noite, como se estivesses ali. Depois... tudo se dissipou lentamente. Já não podia imaginar-te. Tentei falar-te, mas em vão. Já não te ouvia. Então... renunciei. Tudo parou. Tu... desapareceste, simplesmente. Agora, trabalho aqui. Oiço a tua voz a toda a hora. Cada homem tem a tua voz.
- Vou dizer ao Hunter... que vais chegar...
- Travis...
- Sim.
- Lá estarei.
- Óptimo.
- Hotel Meridien...
- Sim. Quarto 1520.
- Tenho o tempo todo.
- Eu conhecia-os.
- Quem eram?
- Duas pessoas... Amavam-se uma à outra... A rapariga era muito nova, 17 ou 18 anos. E o homem era bastante mais velho. Era rude e selvagem. E ela era muito bela.
- Sim.
- Ambos faziam de tudo uma aventura. E ela gostava disso. Uma simples ida à mercearia já era uma aventura. Riam de coisas estúpidas. Ele gostava de a fazer rir. Pouco se importavam com o resto, pois só queriam uma coisa... estarem um com o outro. Estavam sempre juntos.
- Deviam ser muito felizes...
- E eram. Verdadeiramente felizes. Ele amava mais... do que julgava ser possível. Não suportava estar longe dela quando trabalhava. Então largava o trabalho. Só para estar com ela em casa... Quando faltava o dinheiro arranjava outro trabalho. E deixava-o também. Mas não tardou que ela se inquietasse.
- Porquê?
- Pelo dinheiro, suponho. Por não ter bastante.
- Uhm...
- Por não saber quando chegava o cheque
- Sei o que isso é.
- Ele então começou a atormentar-se.
- Como assim?
- Por ter de trabalhar para a sustentar, mas não suportou estar longe dela.
- Ah!
- Quanto mais longe dela estava mais enlouquecia. Até que enlouqueceu mesmo. Pôs-se a imaginar coisas.
- Que coisas?
- Que ela encontrava outros homens na sua ausência... Ao voltar do trabalho acusava-a de ter estado com outro. Berrava, partia coisas na caravana.
- Na caravana?
- Sim, eles viviam numa caravana.
- O senhor não veio ver-me no outro dia? Sem ser indiscreta...
- Não.
- Oh! Julguei reconhecer a sua voz.
- Não! Não era eu.
- Continue.
- Ele então começou a beber muito. Voltava tarde, para a pôr à prova.
- Pô-la à prova como?
- Para ver se ela tinha ciúmes.
- Ah!
- Queria que ela tivesse ciúmes, mas ela não os tinha. Só se inquietava por ele, o que o enfurecia ainda mais.
- Porquê?
- Por pensar que ela não queria saber dele. Os ciúmes seriam sinal de que o amava. Então uma noite... ela disse-lhe que estava grávida. De três ou quatro meses, e ele não sabia. Então tudo mudou. Ele deixou de beber e arranjou um trabalho fixo. Convenceu-se de que ela o amava, pois trazia um filho dele. Ia consagrar-se inteiramente a dar-lhe um lar. Mas aconteceu uma coisa estranha.
- O quê?
- De começo ele nem reparou que ela tinha mudado. Desde que nascera o menino, tudo a irritava. Tudo a enfurecia. Mesmo o menino lhe parecia uma injustiça. Ele esforçava-se por lhe agradar. Dava-lhe presentes. Levava-a a jantar fora, todas as semanas. Mas nada a satisfazia. Durante dois anos, ele fez tudo para voltarem a ser como eram no começo. Mas acabou por compreender que era impossível. Então voltou a beber, mas as coisas azedaram. Quando voltava tarde ela não estava inquieta, nem ciumenta. Estava enraivecida. Acusava-o de a ter sequestrado fazendo-lhe um filho. Dizia-lhe que sonhava fugir. Não sonhava com outra coisa: fugir. Via-se a correr de noite... toda nua, através dos campos, sempre a correr. E sempre que ela estava prestes a invadir-se, ele aparecia a detê-la. Aparecia e detinha-a. Quando ela lhe contava esses sonhos, ele acreditava. Sabia que se a não detivesse ela fugiria. Prendeu-lhe uma campainha ao tornozelo, para a ouvir, se ela tentasse levantar-se de noite. Ela aprendeu a abafar a campainha com uma peúga, e a esgueirar-se da cama. Mas a peúga caiu quando ela já ía na estrada. Ele agarrou-a e amarrou-a ao fogão com o cinto. Deixou-a ali e tornou-se a deitar. Ouviu-a gritar, sem se mover. Depois ouviu o filho aos gritos... e admirou-se de não querer saber de nada. Tudo o que queria era dormir. E, pela primeira vez desejou estar longe dali. Perdido num vasto país onde ninguém o conhecesse. Num lugar sem linguagem e sem ruas. Sonhou com esse lugar sem lhe saber o nome. E quando despertou.... estava a arder. Chamas azuis queimavam os lençóis da cama. Correu para os dois únicos entes que amava... Mas tinham partido. Tinha os braços em brasa. Saiu para fora da casa e rolou-se no chão molhado... E depois correu. Nunca se voltou para ver o fogo. Só correu. Correu até ao nascer do sol. Até não poder mais. E quando o sol se pôs tornou a correr. Correu assim durante cinco dias. Até que sem deixar sinais... desapareceu.
- Travis...
- Se apagares a luz aí dentro, poderás ver-me?
- Não sei... nunca experimentei.
- Podes ver-me?
- Sim.
- Reconheces-me?
- Oh! Travis...
- Trouxe o Hunter comigo. Não queres vê-lo?
- Sim. Queria tanto vê-lo, que não ousava imaginá-lo. A Anne mandava-me fotografias dele. Pedi-lhe que deixasse de as mandar. Não suportava a dor de o ver crescer longe de mim.
- Porque não ficaste com ele?
- Não podia. Não tinha aquilo de que ele necessitava. Não queria utilizá-lo para encher o vazio da minha vida.
- Ele agora precisa de ti Jane. E quer ver-te.
- Ele quer?
- Está à tua espera.
- Onde?
- Na cidade. Num hotel. Le Meridien... quarto 1520.
- Tu não te vais embora, pois não?
- Eu não posso ver-te Jane.
- Não vás ainda... Não vás ainda... Fazia-te grandes discursos depois de partires. falava-te a toda a hora, mesmo só. Enquanto caminhava, meses a fio. Agora... não sei o que dizer. Era mais fácil quando te imaginava que me respondias, tínhamos longas conversas os dois. Era como se lá estivesses. Via-te, sentia o teu odor. Ouvia a tua voz. Ás vezes a tua voz despertava-me, a meio da noite, como se estivesses ali. Depois... tudo se dissipou lentamente. Já não podia imaginar-te. Tentei falar-te, mas em vão. Já não te ouvia. Então... renunciei. Tudo parou. Tu... desapareceste, simplesmente. Agora, trabalho aqui. Oiço a tua voz a toda a hora. Cada homem tem a tua voz.
- Vou dizer ao Hunter... que vais chegar...
- Travis...
- Sim.
- Lá estarei.
- Óptimo.
- Hotel Meridien...
- Sim. Quarto 1520.
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