Verdade seja dita: não tenho muitas queixas a fazer do
Destino. E aqui no estágio, além do mais, encontrei uma varanda linda: Linda
porque Lisboa é linda e vê-se metade dela da varanda da sala 19. Uma vez subi a
um quarto andar onde mora um tipógrafo; ia com ganas de lhe comer os fígados,
porque me andava a enganar desde que o livro entrara na oficina. Pois
recebeu-me, lá no alto, um sol magnífico a cair sobre Lisboa: isto tudo visto
por uma pequena janela. Adeus, fúrias, adeus palavras como punhais! Basta uma
janela para me fazer feliz e foi o que me aconteceu, quando cheguei à sala 19.
Era o castelo, era o Tejo, era a cidade de mármore e granito (como dizem) a
espreitar para dentro da aula. Vai, que fiz eu? Como queria tomar o pulso aos
rapazes em matéria de escrita, propus-lhes aquele tema. «Da varanda da nossa
aula» podia muito bem ser o título da redacção; mas também podia ser outro, à
escolha do freguês. O que eles escrevessem servia para eu ver como escreviam,
como viam e como imaginavam.
Sebastião da Gama
em Diário
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