quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

A CIDADE SILENCIOSA QUE OS ASSUSTA


São poucos os que vão descer. O vapor atracou, já arriaram a escada do portaló, começam a mostrar-se em baixo, sem pressa, os bagageiros e os descarregadores e os descarregadores, saem do refúgio dos alpendres e guaritas os guardas-fiscais de serviço, assomam os alfandegueiros. A chuva abrandou, só quase nada. Juntam-se no alto da escada os viajantes, hesitando, como se duvidassem de ter sido autorizado o desembarque, se haverá quarentena, ou temessem os degraus escorregadios, mas é a cidade silenciosa que os assusta, porventura morreu a gente nela e a chuva só está caindo para diluir em lama o que ainda ficou de pé. Ao comprido do cais, outros barcos atracados luzem mortiçamente por trás das vigias baças, os paus-de-carga  são ramos esgalhados de árvores, negros, os guindastes estão quietos. É domingo. Para além dos barracões do cais começa a cidade sombria, recolhida em frontarias e muros, por enquanto ainda defendida da chuva, acaso movendo uma cortina triste e bordada, olhando para fora com olhos vagos, ouvindo gorgulhar a água dos telhados, algeroz abaixo até ao basalto das valetas, ao calcário nítido dos passeios, às sargetas pletóricas, levantadas algumas, se houve inundação.

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