Nesta margem de
olhares, onde tudo cabe, passei há dias pelo Jardim Fernando Pessa, ali na
Avenida de Roma, onde em tempos recuados esteve o Cinema com o mesmo nome, de
boas memórias, e agora é local de assembleias municipais.
Fernando Pessa é
um nome que não é estranho aos portugueses.
Andava por
Lisboa e para o telejornal da estação pública fazia pequenas reportagens, mostrava as mazelas da cidade e terminava com
aquele: «e esta hein?!»
Mas marco de
trabalho histórico, Pessa, durante a II Guerra Mundial, foi locutor da secção
portuguesa da BBC.
O capacete usado
pelo jornalista, em Londres, está exposto na universidade King's College, na
capital britânica.
No entanto, o olhar da placa com o nome do jardim,
levou-me para histórias longínquas, não vividas, apenas de ouvir contar, de
ler.
Nasci com o
findar da guerra e, já crescidote, ouvia o meu pai contar a maneira como o Pessa,
depreciativamente, com o «h» britânico bem aspirado, pronunciava «Hitler».
«Até logo. Hem? Não faltes. O que é que o Pessa dirá
hoje?
Ontem disse que as coisas estão difíceis, mas que é preciso ter esperança, os povos não se deixarão vencer pela barbárie. Até me chegaram as lágrimas aos olhos. Vê lá, pá, se não tiveres tempo jantas em casa e ficas lá. Não, não está muita gente, a do costume. Já sabes do fuzilamento dos reféns em Paris? Também foi o Pessa que disse ontem. Também disse que foram pelos ares um data de comboios com tropas alemãs.
Ontem disse que as coisas estão difíceis, mas que é preciso ter esperança, os povos não se deixarão vencer pela barbárie. Até me chegaram as lágrimas aos olhos. Vê lá, pá, se não tiveres tempo jantas em casa e ficas lá. Não, não está muita gente, a do costume. Já sabes do fuzilamento dos reféns em Paris? Também foi o Pessa que disse ontem. Também disse que foram pelos ares um data de comboios com tropas alemãs.
Naquele tempo, àquela hora, as ruas ficavam vazias.
Amigos e familiares reuniam-se à volta do aparelho de rádio, um RCA minúsculo. Fechavam-se
bem as portas, punha-se o rádio baixinho para não ser ouvido pelos vizinhos. Fazia-se
um grande silêncio. O coração apertado de angústia, os dedos nervosos
enclavinhados. Chegavam notícias. Chegavam de longe. Chegavam na voz de Fernando
Pessa.»
(Montagem de duas
crónicas de crítica televisiva, sobre Fernando Pessa, do Mário Castrim,
publicadas no Diário de Lisboa.)
Falar da II Guerra
Mundial é recado para lembrar o seu fim e a festa que foi por este país,
principalmente em Lisboa.
Como contou José-Augusto
França em entrevista ao Expresso de 1 de Fevereiro de 2014:
«Mais tarde, soube que por cá os meus amigos tinham
andado em grandes festas e que se fizeram manifestações a festejar a vitória
dos aliados, apareceram uns paus sem bandeira e até bandeiras do Benfica. Eram,
evidentemente, a homenagem aos aliados soviéticos, cujo nome não podia ser
mencionado.»
Ou José Gomes
Ferreira, em Intervenção Sonâmbula:
«No entanto, o povo berrava nas ruas a sua alegria com
lágrimas e bandeiras (muitos empunhavam apenas paus nus com imaginárias
bandeiras vermelhas da pátria dos sovietes), ainda com alguns ingénuos a
quererem convencer-se de que a mágica queda do salazarismo aconteceria no dia
seguinte.
Quem não dançou, quem não cantou, quem não soltou
vivas e morras nessa noite? Mas entre aqueles milhares e milhares de pessoas,
recordo-me sobretudo – é curioso como certas imagens sobrenadam na memória em
detrimento de outras – recordo-me do Fernando Lopes Graça então 30 anos mais
novo, a mancar, com os pés doridos de tanto marchar pelas pedras de Lisboa.»
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