A Cidade das Flores
Augusto Abelaira
Capa: João
Segurado
Edições O
Jornal, Lisboa s/d
Estamos catalogados, estamos empalhados dentro de uma redoma de vidro,
mergulhados num frasco com álcool, isolados de tudo e com um rótulo debaixo dos
pés. O rótulo puseram-no os outros; nós consentimos, acomodámo-nos e vamos
vivendo com ele. Mas tudo pode desfazer-se dum momento para o outro. Sei o que
fui, sei ainda o que sou. Mas tal não contribui em nada para o que serei. Um só
gesto e os outros vêm ao museu onde estamos embalsamados, arrancam-nos o rótulo,
não querem mais saber de nós, dizem que traímos. O que fomos? O que ainda ontem
fomos? Os gestos que fizemos? Não. Não querem saber, Podem ter sido gestos da
mais espantosa pureza, que em nada contribuem para que os outros nos perdoem.
Pelo contrário. Esses gestos, pela sua própria beleza, mais ainda nos condenam,
mais ainda nos enterram.
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