quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

OLHAR AS CAPAS


A Cidade das Flores

Augusto Abelaira
Capa: João Segurado
Edições O Jornal, Lisboa s/d

Estamos catalogados, estamos empalhados dentro de uma redoma de vidro, mergulhados num frasco com álcool, isolados de tudo e com um rótulo debaixo dos pés. O rótulo puseram-no os outros; nós consentimos, acomodámo-nos e vamos vivendo com ele. Mas tudo pode desfazer-se dum momento para o outro. Sei o que fui, sei ainda o que sou. Mas tal não contribui em nada para o que serei. Um só gesto e os outros vêm ao museu onde estamos embalsamados, arrancam-nos o rótulo, não querem mais saber de nós, dizem que traímos. O que fomos? O que ainda ontem fomos? Os gestos que fizemos? Não. Não querem saber, Podem ter sido gestos da mais espantosa pureza, que em nada contribuem para que os outros nos perdoem. Pelo contrário. Esses gestos, pela sua própria beleza, mais ainda nos condenam, mais ainda nos enterram.

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