segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

PANCADAS DE MOLIÉRE


Em plena ditadura salazarista, vieram a Portugal algumas companhias brasileiras de Teatro

Recordo-me de o meu pai contar que, nos anos 60, assistiu no Capitólio à representação de A Alma Boa de Sé-Chuão de Bertolt Brecht, pela Companhia de Maria Della Costa, em que metade da assistência era composta por agentes da PIDE e legionários, que no final desataram a patear, mas foram engolidos pela ovação que ecoou pela sala, entremeada com Vivas à Liberdade e à Democracia.

Por sinal, José Saramago numa carta para José Rodrigues Miguéis,  datada de 22 de Março de 1960 fala da proibição das representações da Companhia de Maria Della Costa no Capitólio:

«… sabe que a «rapaziada» do Tempo Presente fez escândalo no Capitólio durante as representações da Alma Boa de Se-Tsuan, do Brecht, pela maria della Costa? Garrafinhas de mau cheiro, gritos de «fora!» e «abaixo!», intervenção da autoridade – um encanto! O cabecilha era o Goulart Nogueira, nazista honrado e confesso, que tem chorado amargamente lágrimas pela morte de S. Hitler, principal santo do seu (dele) agiológico. Conseguiram o que queriam: a peça foi retirada…»

Este é o bilhete que regista a minha presença no Recital que Paulo Autran realizou, no Teatro Monumental, na noite de 19 de Abril de 1966.

Paulo Autran fazia parte da Companhia de Tonia Carrero que, por esse tempo, esteve em Lisboa e aproveitou um intervalo nas representações para este Recital de Poesia.

Um deslumbramento.

Ouvimos o discurso de Marco António em Júlio César de Shakespeare, monólogos do Othelo, outra vez Shakespeare, monólogo do rei Creonte da Antígona de Sófocles, poemas dos poetas brasileiros Cecília Meireles, Vinicius de Moraes, Castro Alves, Carlos Drumond de Andrade, Sophia de Mello Breyner Andresen, Alexandre O’ Neill, Mário Cesariny de Vasconcelos, António Gedeão, Joaquim Namorado.

Antes da recitação dos poemas dos poetas portugueses Paulo Autran teve o cuidado de dizer que no Brasil os poetas portugueses, da moderna geração eram completamente desconhecidos. Foi apenas em Lisboa que, mão amiga, lhe mostrara poemas desses poetas e pedia desculpa pelo pouco tempo que dedicara à  preparação da recitação desses poemas.

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