Carta de Jorge
de Sena, datada de 22 de Dezembro de 1972, para Sophia de Mello Breyner
Andresen:
Estou a cerca de um mês de partir para a Inglaterra,
no meu «tour» de conferências por várias Universidades, para maior glória de
uma pátria vil, que em lugar de se honrar com isso, se rói da inveja de que
sempre viveu a sua mesquinharia. Irei também a Paris, a Rennes e a Bruxelas. E
só voltarei em fins de Março. Pelo menos respirarei Europa, farto que estou
desta América que perdeu o último comboio da decência e da dignidade. E vê como
são as coisas… Ma Alemanha, 95% dos eleitores que são 80% da população
compareceram às urnas; aqui só apareceram a votar (por demissão, desespero sem
saída, canalhice reacionária, etc.) 53% de um eleitorado que é 75% da população
– e cerca de 60% daquilo reelegeu o Imperador (mas não lhe deu e até diminuiu,
o que já era minoria dele no Senado e na Câmara, valos lá), o que significa que
S. Excia foi eleito por 24% da população, nada mais… E viva da democracia
liberal – o pior é que ainda não se inventou outra coisa melhor, embora seja a
pior possível. Como se vê, os outros 29% votaram contra, e 50% ficou em cada a
ver televisão e a comer o a sanduiche da
deseducação política. Mas não fazes ideia da ignorância do mundo em que esta
população é mantida – e os milhares que
o têm visto não são suficientes para mudar as coisas.
Em Correspondência
Nota do editor:
o Imperador referido por Sena é Richard Nixon.
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