O Libertino
Passeia Por Braga, a Idolátrica, o Seu Esplendor
Luiz Pacheco
Contraponto,
1970
Outubro, 15. Noite em Vieira do Minho friorenta e
agitada por pesadelos, incongruências, palpitações. Já de madrugada, O
Mensageiro das Trevas aparece-me na cama, agarra-me quase ao colo com os seus
dedos de aço nos braços e diz-me baixo, numa voz irónica mas simpática (ou
cínica e trocista?): "Ontem (referência, parece, a um sonho meu da
véspera, em que me surgira A Morte, com a sua caveira comum, de dentuça à
mostra, cara desgraçada!), ontem viste-me com a minha triste cara verdadeira,
hoje venho alegre (a face dele era uma máscara apalhaçada, coberta de giz) mas
é para te dar uma má notícia, coitado (1):
AMANHÃ MESMO MORRERÁS!
Acordo aos estremeções, aflito, com uma consciência
muito nítida do encontro, e começo por fazer figas debaixo da roupa ao Intruso,
mas depois, cheio duma superstição infantil (que me ficou da criança que fui,
entenda-se), faço o sinal-da-cruz. E para não tirar as mãos debaixo do quente
das mantas, engrolo gestos e palavras mesmo sobre o peito, à matroca, como um
aprendiz de catequese faria. Sossego mais. Começo a pensar como morrerei.
Desastre? colapso? ou loucura súbita e logo suicida? Adormeço nisto. Ao acordar
conto ao Forte o meu sonho, para o esconjurar. Ou talvez para criar uma
testemunha do meu presságio nocturno, se sair certo. Figas! Cruzes! Malandro!
Canhoto! E logo eu, que gosto tanto da Vida! A caminheta dos livros segue para
Braga; primeira paragem, em Esporães ou Esporões (2), outra terra a que perdi o
nome (3) e depois Somar. Eis a grande revelação da jornada: Deolinda da Costa
Rodrigues, 14 anos, no 3º ano do curso comercial, residente no lugar de
Assento. Fico varado! Mas é a Lolita tal-e-qual do Nabokov, é a Super-Gêninha
jamais esquecida. A Super-Super-Gêninha, que talvez me vá fazer esquecer de vez
a outra. Baixa, encorpada, ancas cheias como se quer, barriga abaulada, leveza
nos modos, gravidade e força de mulher no corpo, uma suave expectativa de
adolescente. Que beleza! Que maravilha! Morena, olhos atentos, cabelo
entrançado (seria? ou rabo-de-cavalo?). Adivinho e aspiro o perfume do seu
sexo; leio-lhe nos olhos os gritos que ela daria de prazer se a possuísse
agora, nesta luta de vida ou de morte contra o Mafarrico, a última, a grande
vitória do Libertino. O espichar de corpo, o estrebuche no orgasmo, que beleza,
que maravilha!
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