A carta que lhe escrevi precisamente dez minutos antes de tirarem o
correio deste café donde lhe escrevo foi para mim uma tortura por não ter tempo
de me explicar como convinha e ser obrigado a uma secura e brevidade falsas mas
de todo o modo preferível a não lhe escrever ou a dar-lhe razões confusas ou
truncadas. (Mas só a sua atitude de compreensão fraternal me ajudar a sair da
má-consciência dessa carta!)
Foi realmente descuido não lhe ter enviado os livros em fins de
Outubro. Depois. Dá-se o inexplicável… pois sabendo eu que V. partia no dia 25
só lhe mando os livros no dia 24 quando havia o perigo de V. não os receber por
já ter embarcado. Mas o «inexplicável» foi isto: como tinha bastante
dificuldade em arranjar os cinco ou seis escudos para lhe enviar os livros
registados (note-se que supunha ser muito mais e não sabia se teria a coragem
de tromper les CTT, pelo perigo
eventual que podia correr se houvesse uma revista, declarando que eram livros,
em língua portuguesa, pois, como V. sabe os estrangeiros pagam muito mais) fui
adiando até ao dia 23, dia limite em que tentei obter o dinheiro e não o
consegui, indo como qualquer criança meter-me na cama, maldizendo-me por me
suceder uma coisa tão« inexplicável» como esta, e sofrendo já um frio terrível
dos mal-entendidos e reputações ofendidas ou simplesmente confirmadas malgré
tout – por outras palavras, sofrendo que
V. justamente me depreciasse quando eu desejaria que V. tivesse por mim
consideração e estima em troca do alto apreço em que sempre o tive, mesmo antes
de o conhecer. No dia 24, ainda havia uma esperança de obter o dinheiro e
talvez os livros chegassem antes de V. embarcar. Quando já desesperava, alguém
veio oferecer a minha mãe 20$00 que deviam ser entregues a meu pai como oferta
do dia do seu aniversário que transcorrera dois ou três dias antes e que não
foram entregues na devida altura simplesmente porque o ofertante não se
encontrava em Faro. Este recomendara insistentemente a minha mãe que os
entregasse a meu pai, mas claro… foi providencial!
Certamente que leram
bem sobre as dificuldades económicas de António Ramos Rosa.
E mais à frente, escreve:
E agora, ouso, permito-me pedir-lhe um favor mais. Não li a sua Coroa
da Terra, o único livro seu que não conheço. Não estou pensando que V. mo ofereça,
embora saiba que de boa vontade o fará se puder: queria tão só que mo
emprestasse, na certeza de que o devolverei quando quiser.
Legenda: desenho de António Ramos Rosa
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