«Quer
que chame um táxi para a levar ao hotel, e a mulher respondeu, Não, ficarei
contigo, e ofereceu-lhe a boca. Entraram no quarto. despiram-se e o que estava
escrito que aconteceria, aconteceu enfim, e outra vez, e outra ainda. Ele
adormeceu, ela não. Então ela, a morte, levantou-se, abriu a bolsa que tinha
deixado na sala e retirou a carta de cor violeta. Olhou em redor como se
estivesse à procura de um lugar onde a pudesse deixar, sobre o piano, metida
entre as cordas do violoncelo, ou então no próprio quarto. debaixo da almofada
em que a cabeça do homem descansava. Não o fez. Saiu para a cozinha, acendeu um
fósforo, um fósforo humilde, ela que poderia desfazer o papel com o olhar,
reduzi-lo a uma impalpável poeira, ela que poderia pegar-lhe fogo só com o
contacto dos dedos, e era um simples fósforo, o fósforo comum, o fósforo de
todos os dias, que fazia arder a carta da morte, essa que só a morte podia
destruir. Não ficaram cinzas. A morte voltou para a cama, abraçou-se ao homem
e, sem compreender o que lhe estava a suceder, ela que nunca dormia, sentiu que
o sono lhe fazia descair suavemente as pálpebras. No dia seguinte ninguém
morreu.»
Maria Alzira Seixo tem, sobre o livro, uma interessante
abordagem: «é um romance divertido, pois que nos pode dar maior satisfação
do que rir à custa da morte, a única coisa no mundo que não faz rir ninguém, a
não ser em esgar ou exorcismo?»
José Saramago
também não anda longe:
«Foi um livro escrito com alegrai. Falar da morte e
dizer que o fiz com alegria,,, É uma alegria que vem não só pelo tom irónico,
sarcástico às vezes, divertido, mas também porque é como se me sentisse
superior à morte dizendo-lhe: «Estou a brincar contigo.»
E em outro passo
refere:
O livro empurra uma porta aberta. Diz aquilo que todos
já sabemos: que temos de morrer. Mas talvez mostre, com mais clareza, que temos
que morrer para viver. Se não, a vida seria insuportável.
A um químico do futuro, exigiu Maiakowski:
«A primeira coisa que farás é ressuscitar-me, a mim que tanto amava a vida.»
A um químico do futuro, exigiu Maiakowski:
«A primeira coisa que farás é ressuscitar-me, a mim que tanto amava a vida.»
Luis Filipe Cristóvão:
«No fundo, acabamos sempre por chorar a nossa dor, nunca a dos outros,
mesmo que a nossa dor seja causada pela dor dos outros, é a nossa dor, é a
nossa dor que choramos.»
Legenda: capa de As
Intermitências da Morte publicado pela Porto Editora. A caligrafia da capa
é da autoria de Valter Hugo Mãe.
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