«Posso fazer-lhe também uma pergunta. Ora essa, senhor presidente, à
vontade. Votou em branco, Anda a fazer um inquérito, Não, é só uma curiosidade,
mas se não quiser não responda. O homem hesitou um segundo, depois, sério,
espondeu, Sim, senhor votei em branco, que eu saiba não é proibido. Proibido
não é, mas veja o resultado. O homem parecia ter-se esquecido do amigo
imaginário, Senhor presidente, eu, pessoalmente, não tenho nada contra si, sou
até capz de reconhecer que tem feito bom trabalho na câmara municipal, mas a
culpa disso a que está a chamar resultado não é minha, votei como me apeteceu,
dentro da lei, agora vocês que se amanhem, se acham que a batata escalda,
soprem-lhe.»
José Saramago em Ensaio Sobre a Lucidez.
A apresentação de “Ensaio Sobre a Lucidez”. em
Março de 2004, no Centro de Congressos de Lisboa decorreu, perante milhares de
pessoas, com um debate moderado por José Manuel Mendes, e que contou com a
presença de José Saramago, José Barata Moura, Mário Soares e Marcelo Rebelo de
Sousa.
Algures, numa não nomeada cidade, há eleições
autárquicas. É grande a afluência às urnas mas, após a contagem dos votos,
verifica-se que a esmagadora maioria dos votos estão em branco. Nem governo,
nem políticos, nem comentadores políticos, nem jornalistas compreendem a
situação e interrogam-se: como pode um povo ser tão irresponsável?
José Saramago nunca perdeu uma oportunidade de se
constituir num gerador de polémicas, de modo algum fúteis e nunca estéreis, e
com este livro, de um mero exercício
com o seu quê de curioso, quiçá ineditismo, os habituais detractores de
Saramago levaram o caso para a provocação.
Título do Público de 31 de Março de 2004:
«Saramago recusa democracia e a apela ao voto em branco.»
Ao tempo, Augusto Santos
Silva, hoje ministro dos Negócios Estrangeiros, dos escrevia, também no Público, que o nobel menorizava a literatura.
«O voto em branco é uma arma democrática que possuímos
para impedir os políticos de continuarem a brincar connosco.», disse Saramago.
«Digamos que pôs a estopa e eu contribuí com o prego, e que a estopa e o prego juntos me autorizam a afirmar que o voto em branco é uma manifestação de cegueira tão destrutiva como a outra. Ou de lucidez, disse o ministro da justiça, Quê, perguntou o ministro do interior, que julgou ser ouvido mal, Disse que o voto em branco poderia ser apreciado como uma manifestação de lucidez por parte de quem o usou, Como se atreve, em pleno conselho do governo, a pronunciar semelhante barbaridade antidemocrática, deveria ter vergonha, nem parece um ministro da justiça, explodiu o da defesa. Pergunto-me se alguma vez terei sido ministro da justiça ou de justiça, como neste momento, Com um pouco mais ainda me vai fazer acreditar que votou em branco, observou o ministro do interior ironicamente, Não, não votei em branco, mas pensá-lo-ei na próxima ocasião.»
Legenda: capa de Ensaio Sobre a Lucidez publicado pela Porto Editora. A caligrafia da capa é da autoria de Dulce Maria Cardoso.
«Digamos que pôs a estopa e eu contribuí com o prego, e que a estopa e o prego juntos me autorizam a afirmar que o voto em branco é uma manifestação de cegueira tão destrutiva como a outra. Ou de lucidez, disse o ministro da justiça, Quê, perguntou o ministro do interior, que julgou ser ouvido mal, Disse que o voto em branco poderia ser apreciado como uma manifestação de lucidez por parte de quem o usou, Como se atreve, em pleno conselho do governo, a pronunciar semelhante barbaridade antidemocrática, deveria ter vergonha, nem parece um ministro da justiça, explodiu o da defesa. Pergunto-me se alguma vez terei sido ministro da justiça ou de justiça, como neste momento, Com um pouco mais ainda me vai fazer acreditar que votou em branco, observou o ministro do interior ironicamente, Não, não votei em branco, mas pensá-lo-ei na próxima ocasião.»
Legenda: capa de Ensaio Sobre a Lucidez publicado pela Porto Editora. A caligrafia da capa é da autoria de Dulce Maria Cardoso.
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