«Ora, por motivos que todos sabem, mas que
muitos fingem esquecer, ocultando-os sob os outros que são ludíbrio e
conto-do-vigário, a esquerda não se uniu: um esquerdismo de adolescência e um
anticomunismo serôdio, ambos eficazes, somados aos manejos da conspiração
contra-revolucionária internacional, impediram e impedem que a Constituição
(socializante) seja cumprida: desgraçadamente, não vivemos com a Constituição
que temos. Desunida, a esquerda política resiste graças ao prestígio histórico
que lhe resta e. sobretudo, graças ao apoio de sectores vitais para a sua
sobrevivência: a classe operária, o campesinato organizado, a pequena burguesia
esclarecida, a intelectualidade progressista. Resiste a esquerda, mas a direita
avança. Avança pelas brechas, pelas fendas, pelas debilidades, manipula e joga
com as fomes de poder. E avança sob a protecção de liberdades que sempre
detestou e que só a esquerda, enquanto e quando no poder lhe poderia dar tudo.
Se amanhã a esquerda vier a pôr o pescoço no cepo, poderá dizer,
consoladamente, para a História: «Em liberdade, aquele machado vai cortar-me a
cabeça.»
José Saramago em Folhas
Políticas
Por Julho de 1977, José Saramago, passa a colaborar no semanário Extra, com uma coluna de opinião a que chamou Novos Apontamentos.
A Editorial Caminho convence-o a reunir em livro esses textos, juntamente com outros, que Saramago foi publicando em diversos jornais e revistas.
Como habitualmente não se mostrou muito receptivo à
ideia, pois não via qualquer interesse em «revolver uma poeira que
ninguém, qualquer que seja o espaço partidário, em que se situa ou em que se
veio situando desde então, parece interessado em levantar do mofo da nossa
história política recente.»
Depois de
ligeiras rectificações, em alguns textos, outros foram omitidos, deu à estampa
o que chamou de Folhas Políticas.
Mas advertiu:
Não vai faltar quem me acuse de que alguns destes textos são desapiedados e injustos, que, tendo sido já politicamente inoportunos e impertinentes na própria época em que foram escritos, muito mais o vêm a ser agora, e que, argumento final, não é atitude das mais prudentes e sensatas da minha parte, considerando que todos temos os nossos «telhados de vidro», reabrir as chagas que o tempo, melhor ou pior, teve a caridade de cicatrizar. Disso, como do resto, pensará cada um o que quiser, e por isso responderá.
Em todo o caso, creio que estas Folhas Políticas, de cuja honradez cívica não reconheço a ninguém o direito de duvidar, levam dentro verdades suficientes para que sejam capazes de defender-se sozinhas, sem ajuda. Nem sequer a minha.»
Vai entrar no quarto ano um governo do Partido Socialista, apoiado pelas esquerdas.
Não vai faltar quem me acuse de que alguns destes textos são desapiedados e injustos, que, tendo sido já politicamente inoportunos e impertinentes na própria época em que foram escritos, muito mais o vêm a ser agora, e que, argumento final, não é atitude das mais prudentes e sensatas da minha parte, considerando que todos temos os nossos «telhados de vidro», reabrir as chagas que o tempo, melhor ou pior, teve a caridade de cicatrizar. Disso, como do resto, pensará cada um o que quiser, e por isso responderá.
Em todo o caso, creio que estas Folhas Políticas, de cuja honradez cívica não reconheço a ninguém o direito de duvidar, levam dentro verdades suficientes para que sejam capazes de defender-se sozinhas, sem ajuda. Nem sequer a minha.»
Vai entrar no quarto ano um governo do Partido Socialista, apoiado pelas esquerdas.
Voltamos a lembrar o quanto José Saramago ficaria feliz com a
possibilidade das esquerdas -finalmente! – terem iniciado os caminhos da
unidade.
Em artigos de opinião, em conferências, em entrevistas,
José Saramago nunca deixou de vincar aparece o mote da unidade com vista ao
nosso futuro de povo.
Em 15 de Fevereiro de 2016, e durante alguns dias, revisitámos algumas das opiniões de Saramago,
em relação à unidade da esquerda, expressas nas Folhas Políticas.
Legenda: capa de Folhas
Políticas publicado pela Porto Editora. A caligrafia da capa é da
autoria da cineasta Teresa Villaverde.
Sem comentários:
Enviar um comentário