Arte de Furtar
Anónimo do
Séc. XVII
Desenhos de Eduardo Batarda
Comentários
de Natália Correia, Armando Castro, Hernâni Cidade, João Bénard da Costa
Capa, arranjo
gráfico: Paulo-Guilherme
Edições
Afrodite, Lisboa 1970
Todos falam na política, muitos compõem
livros dela, e no cabo nenhum a viu, nem sabe de que cor é. E atrevo-me a
afirmar isto assim, porque, com eu ter poucos conhecimentos dela, sei que é uma
má peça, e que a estimam e aplaudem, como se fora boa; o que não fariam bons
entendimentos, se a conheceram de pais e avós, tais, que quem lhos souber, mal
poderá ter por bom o fruto que nasceu de tão más plantas. E para que não nos
detenhamos em coisa trilhada, é de saber que no tempo em que Herodes matou os
inocentes, deu um catarro tão grande no Diabo, que o fez vomitar peçonha; e
desta se gerou um monstro, assim como nascem ratos ex materia putridi, ao
qual chamaram os críticos Razão de Estado. E esta senhora saiu tão presumida,
que tratou de casar, e seu pai a desposou com um mancebo robusto e de más
manhas, que havia por nome Amor Próprio, filho bastardo da primeira
desobediência. De ambos nasceu uma filha a que chamaram Dona Política.
Dotaram-na de sagacidade hereditária e modéstia postiça. Criou-se nas cortes de
grandes príncipes, embrulhou-os a todos. Teve por aios a Maquiavel, Pelágio,
Calvino, Lutero e outros doutores desta qualidade, com cuja doutrina se fez tão
viciosa, que dela nasceram todas as seitas e heresias que hoje abrasam o mundo.
E eis aqui quem é a senhora Dona Política.
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