quinta-feira, 30 de maio de 2024

OLHARES


Perto um do outro, no alto de uma das colinas de Lisboa, existem dois miradouros a que poucos ligam importância.

Estamos no alto da Penha de França, junto à Igreja de Nossa Senhora da Penha de França. Ao lado está o comando da Polícia, que até ao 25 de Abril foi o quartel da sinistra Legião Portuguesa. Atrás da igreja está um reservatório de água, a malta chamava-lhe o pote d’água. Ali encontra-se o miradouro da Penha de França que, juntamente com o miradouro do Monte Agudo, sito na Rua Heliodoro Salgado, é algo a que os lisboetas prestam pouca, ou quase nenhuma, atenção e que as entidades entendem não os divulgar pelos turistas.

Na Rua Mestre António Martins, na Freguesia da Penha de França acabou por vir ao mundo, estava guerra a findar pela Europa.

Pelas noites de Verão, quando não havia televisão, a malta juntava-se por ali e ficávamos a olhar os filmes que por aquele tempo passavam na esplanada da Cervejaria Portugália.

Perguntarão:

-  Como é que miúdos podem ficar de longe a «olhar filmes.

Já disse que não havia televisão e as noites quentes, convidavam as pessoas a vir para as portas das casas, para os miradouros, para os jardins. Mas dezenas de pessoas encostavam-se ao muro para ver as imagens que, lá longe, passavam no écran da esplanada da Cervejaria Portugália. Apenas as imagens. Nem som, nem leitura de legendas, apenas imagens a correr.

Coisas mesmo de putos.

Simples e comovente…

Terá servido para que um dia explodisse o gosto pelo cinema, o dele e o da malta do bairro?

Curiosamente nunca viu um filme sentado na esplanada da Portugália. E tanto que, em miúdo, o desejou. Quando a possibilidade de o fazer chegou, já não exibiam filmes.

Ainda hoje sente o calor, o cheiro daquelas noites dos seus oito/nove anos a olhar os filmes da Portugália. O regresso a casa. As janelas abertas a respirar o fresco da noite, as pessoas a conversar nas ruas. Um perfume de cravos e sardinheiras.

O tempo da inocência total.

Os caminhos para o Cinema Paraíso.


No cimo da tal rua onde nasceu, encontra-se a Escola de Luísa de Gusmão.

A fachada do edifício exibe um grande painel de azulejos de Querubim Lapa, 400 azulejos num espaço de 30 metros. Alguns azulejos do painel têm vindo a cair. A Câmara Municipal de Lisboa, a Junta de Freguesia, dizem não ser sua competência, do Ministério da Educação não há qualquer resposta.

À frente, da escola, onde agora está um parque de estacionamento, existia uma vila e num dos seus edifícios, situava-se uma sopa dos pobres. Ali não havia espaço para os pobres comerem e então desciam a rua e sentavam-se nesta praceta, mesmo em frente do prédio onde nasceu, viveu a infância e adolescência, a comerem a sopa e o naco de pão escuro.


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