Perto
um do outro, no alto de uma das colinas de Lisboa, existem dois miradouros a
que poucos ligam importância.
Estamos
no alto da Penha de França, junto à Igreja de Nossa Senhora da Penha de França.
Ao lado está o comando da Polícia, que até ao 25 de Abril foi o quartel da
sinistra Legião Portuguesa. Atrás da igreja está um reservatório de água, a
malta chamava-lhe o pote d’água. Ali encontra-se o miradouro da Penha de França
que, juntamente com o miradouro do Monte Agudo, sito na Rua Heliodoro Salgado,
é algo a que os lisboetas prestam pouca, ou quase nenhuma, atenção e que as
entidades entendem não os divulgar pelos turistas.
Na
Rua Mestre António Martins, na Freguesia da Penha de França acabou por vir ao
mundo, estava guerra a findar pela Europa.
Pelas
noites de Verão, quando não havia televisão, a malta juntava-se por ali e
ficávamos a olhar os filmes que por aquele tempo passavam na esplanada da
Cervejaria Portugália.
Perguntarão:
- Como é que miúdos podem ficar de longe a «olhar
filmes.
Já
disse que não havia televisão e as noites quentes, convidavam as pessoas a vir
para as portas das casas, para os miradouros, para os jardins. Mas dezenas de
pessoas encostavam-se ao muro para ver as imagens que, lá longe, passavam no
écran da esplanada da Cervejaria Portugália. Apenas as imagens. Nem som, nem
leitura de legendas, apenas imagens a correr.
Coisas
mesmo de putos.
Simples e comovente…
Terá servido para que um dia explodisse o gosto pelo cinema, o dele e o da
malta do bairro?
Curiosamente
nunca viu um filme sentado na esplanada da Portugália. E tanto que, em miúdo, o
desejou. Quando a possibilidade de o fazer chegou, já não exibiam filmes.
Ainda
hoje sente o calor, o cheiro daquelas noites dos seus oito/nove anos a olhar os
filmes da Portugália. O regresso a casa. As janelas abertas a respirar o fresco
da noite, as pessoas a conversar nas ruas. Um perfume de cravos e sardinheiras.
O
tempo da inocência total.
Os caminhos para o Cinema Paraíso.
No cimo da tal rua onde nasceu, encontra-se a Escola de Luísa de Gusmão.
A
fachada do edifício exibe um grande painel de azulejos de Querubim Lapa, 400
azulejos num espaço de 30 metros. Alguns azulejos do painel têm vindo a cair. A
Câmara Municipal de Lisboa, a Junta de Freguesia, dizem não ser sua competência,
do Ministério da Educação não há qualquer resposta.
À frente, da escola, onde agora está um parque de estacionamento, existia uma vila e num dos seus edifícios, situava-se uma sopa dos pobres. Ali não havia espaço para os pobres comerem e então desciam a rua e sentavam-se nesta praceta, mesmo em frente do prédio onde nasceu, viveu a infância e adolescência, a comerem a sopa e o naco de pão escuro.
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