sábado, 8 de março de 2014

BARCAS NOVAS


José Gomes Ferreira no 2º volume dos Dias Comuns:

Um novo livro de versos da Fiama – alta, misteriosa, hierática, olhos de Minerva. Olhos sábios.
O livro – Barcas Novas – mental, cerebral, bem feito mas fortemente influenciado pelo Cabral de melo neto, o mais recente estragador involuntário dos poetas jovens portugueses.
Ainda não são os versos que a Fiama traz nos olhos.
Naqueles tempos em que se abriam janelas para que as correntes de ar pudessem entrar, batessem na cara, juntávamo-nos ao redor de discos e livros, trocávamos impressões, experiências e admitíamos aquele saber que guardamos nas dobras improváveis do tempo, que era possível a chegada de um dia claro. A isto se poderia chamar a memória da esperança. Era disto que se faziam os dias daqueles tempos.



Copiado daqui:

"Lisboa tem suas barcas agora lavradas de armas".

Quando já depois de, ouvidos os discos, muito conversados, razoavelmente bebidos, o Zé Leal lembrava sempre que ficava na memória um som. Um som simples das ausências, das mãos que se fizeram abertas. Ficava também o silêncio. Depois era a debandada. A manhã a anunciar-se, era o começo de mais um dia trabalho.

"Para a próxima quem é que trás os discos?”

Hoje já não servem as palavras com que dantes se faziam as conversas entre nós. Gastas as palavras, outros os olhares, diferentes os interesses.

Este EP de 33 rpm é o 4º Caderno de composições de Fernando Lopes Graça “compostas em estilo singelo para recreação da gente nova portuguesa – Oito Canções das Barcas Novas”.

Os poemas são de Fiama Hasse Pais Brandão, cantados por Celeste Lino, Manuel Pico, acompanhados, ao piano, por Olga Prats.

O disco, como habitualmente, não indica a data de gravação. Talvez 1972. O preço, esse, pode ver-se no canto superior esquerdo: 73 escudos e 50 centavos.

O texto de apresentação, incluído no disco, é de Mário Vieira de Carvalho, escrito num tempo em que era crítico musical e acreditava que existiam amanhãs para serem cantados.

Mais tarde, muito depois de escritas estas palavras, seria secretário de Estado da Cultura de um governo de José Sócrates. Dizem as más-linguas que ele e a ministra, para além de umas guerras intestinas e perfeitamente inúteis (Cinemateca, São Carlos etc.) não deixaram nada de registo. Também só agora é que o Primeiro-Ministro reconhece que errou ao não apostar mais na Cultura e que tenha sido tratada “como um parente pobre”.

Pois!...


Adriano Correia de Oliveira, de parceria com Rui Pato, também musicou este poema de Fiama.
Faz parte do EP da Orfeu Elegia (1967) e na Obra Completa de Adriano, editada em CD, no ano de 2007, pela Movieplay, aparece integrado no disco A Noite dos Poetas.

A capa do EP da Orfeu é uma cortesia IÉ-IÉ.

Lisboa tem suas barcas
Agora lavradas de armas.
Lisboa tem suas barcas
Agora lavradas de armas.

São de guerra as barcas novas
Sobre o mar com sua guerra.
São de guerra as barcas novas
Sobre o mar com sua guerra.

Barcas novas levam guerra
E as armas não lavram terra.
E as armas não lavram terra.

De Lisboa sobre o mar
Barcas novas são mandadas.
De Lisboa sobre o mar
Barcas novas são mandadas.

Barcas novas levam guerra
Sobre o mar com suas armas.
Barcas novas levam guerra
Sobre o mar com suas armas.

Barcas novas levam guerra
E as armas não lavam terra.
E as armas não lavam terra.


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