sábado, 22 de março de 2014

OLHAR AS CAPAS


Cartas da Prisão

José Magro
Capa de Luís Filipe da Conceição sobre fotografia de Eduardo Gageiro
Edições Avante, Lisboa, Fevereiro de 1975

- Temos de subir a corda a pulso, subir a pulso e sempre… - dizia o nosso Pereira Gomes a sorrir, como se contasse uma graça.
Subiu a corda. A pulso e até ao fim…
Eis aí outro em que também estou tranquilo. Nunca me cansei do cansaço… Nunca me cansei, nem creio que venha a cansar-me, da luta e da vida. Nunca!
Assim, quando a outra vier, a tal senhora magra e de foice comprida, muito feia e de incríveis exigências, não irei recebê-la de braços abertos, não! Há-de violentar-me, há-de levar-me à força!... Contra toda a dialéctica da vida? Pois será! Mas hei-de gritar-lhe que não, que não sou do seu mundo de repouso aparente, sem luz, sem som, sem gente… Sem gente, caramba! Eu sou é deste, com homens em redor, camaradas ou inimigos. Com mulheres, loiras e morenas, centros da vida, tão belas em geral e tão próximas. E com crianças, mais do que deuses rosados e imortais, herdeiras da vitória!
Oh magra senhora da foice! Acabarei por ter de aceitar-te, que remédio!
Mas ouve! Quero dizer-te o que não teria a coragem de dizer a uma mulher: és tão feia e fria, meu estafermo!

Sem comentários: