José Gomes Ferreira no 6º volume dos seus Dias Comuns:
Esta canção de «Ó pastor que choras», tão vulgarizada
nos meios estudantis («mas carneiros todos/com carne de obedecer», tem uma
história que vale a pena narrar, por pitoresca e saborosa.
Um dia o Lopes Graça apareceu-me em casa com o pedido
de versos para uma melodia, já escritinha e pronta, que se prestou logo a
cantar, para me seduzir.
E o facto é que me seduziu.
- Venha o «monstro»! – intimei-o.
(«Monstro»: palavra sem nexo, mas convenientemente
ajustadas à melodia, para marcarem os acentos e a natureza das rimas.)
O Lopes, claro, não se fez rogado e, assim que pôde,
forneceu-me o desejado «monstro». Quatro quadras, na verdade monstruosas, com o
primeiro e o terceiro versos de 5 sílabas, e o segundo e quarto, de sete. E
ainda esta exigência: as rimas do primeiro e terceiro versos teriam de ser
graves. E as do segundo e quarto, agudas»
Aceitei o encargo, inquieto. Mas, afinal, resolvi o
caso facilmente no eléctrico – então meu gabinete de trabalho andante.
Acolhidas com entusiasmo, o Lopes tentou depois
publicá-las na Seara Nova.
Em vão! A Censura cortou-as, implacável. E, segundo me
constou, apenas porque pareciam uma crítica deliberada ao cardeal Cerejeira
que, pouco antes, pregara um sermão, desfeito em lágrimas, a queixar-se de não
ter fiéis, nem padres, nem Deus…
Em boa verdade, a poesia amoldava-se a esse equívoco:
Ó pastor que
choras
O teu rebanho
onde está?
Deita as mágoas
fora,
Carneiros é o
que mais há!
…………………………..
Quem te pôs na
orelha
Essas cerejas,
pastor?
São de cor
vermelha
Vai pintá-las de
outra cor.
Fossem lá convencer os Censores de que se tratava de
uma coincidência! Se eu até lá tinha posto aquelas cerejas de propósito para
personalizar o pastor de Alta Púrpura.
Para além da de Fernando Lopes Graça, existe uma versão musicada e cantada por Mário Piçarra, que foi
a primeira que conheci, e que não encontro disponibilizada no You Yube
Fausto também fez música para este poema de José Gomes Ferreira.
Já agora, o poema completo que está incluído na Poesia III:
Ó pastor que choras
o teu rebanho onde está?
- Deita as mágoas fora,
carneiros é o que mais há
uns de finos modos
outros vis por desprazer...
Mas carneiros todos
com carne de obedecer.
Quem te pôs na orelha
essas cerejas, pastor?
São de cor vermelha,
vai pintá-las de outra cor.
Vai pintar os frutos,
as amoras, os rosais...
Vai pintar de luto,
as papoilas dos trigais.
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