Em carta, datada
de 31 de Outubro de 1964, Eugénio de Andrade, que fazia parte do júri que atribuíu
a Sophia de Mello Breyner Andresen, pelo seu «Livro Sexto» em detrimento
de «Metamorfoses» de Jorge de Sena, o Prémio de Poesia da Sociedade
Portuguesa de Escritores, escreve a Jorge de Sena:
«Quebro um longo silêncio (os motivos são tantos… sem
que nenhum tenha a ver consigo) para lhe agradecer, tão tarde!, o seu belo,
muito belo livro. Provavelmente já saberá que este foi por mim chamado ao
último Prémio de Poesia da Sociedade de Escritores e que esteve à beira de o
ganhar. Eu e o Padre Manuel Antunes votámos nele, por esta ordem. Havia então
dois votos para o livro de Sophia, e coube ao representante da Sociedade
desempatar. Mas o próprio voto de desempate foi dado após longa perplexidade,
fique isto dito em abono do Pinheiro Torres. Conto-lhe isto mais para lhe mostrar
quanto gostei do seu livro que por qualquer outra razão.»
Jorge de Sena
responde em carta de 7 de Novembro de 1964:
«No meio de tudo isto, às vezes, com a correspondência
em desordem, pensei em escrever-lhe. Mas, depois que soube ser V. membro do
júri do prémio, sentia-me constrangido e, após o que, perdoe-me que lhe diga,
considero um escândalo, fiquei à espera, mais constrangido ainda, que me
escrevesse Você. O que finalmente aconteceu. Eu explico a razão de empregar a
palavra «escândalo». Sabe V. que sou velho amigo da Sophia, a quem quero muito
bem, e que sou das pessoas que a estimavam e admiravam, ainda quando todos ou
quase todos a consideravam uma cabotina aristocrática, pela qual os
neo-relistas não podiam nem roçar-se. Acho que ela é um dos mais importantes poetas
portugueses do nosso tempo. Mas acontece que se premiavam livros e não pessoas.
E das duas uma, se se premiavam pessoas, a minha obra, queiram-no ou não, é
mais importante e mais influente que a dela; se se premiavam livros, o meu é um
dos maiores livros que neste século se escreveram em português, mesmo que a
obra de Sophia fosse mais influente que a minha. Isto não tem qualquer saída
que não seja o ódio coligado contra mim, que é velho, a fúria dos comunistas
que, por seus chantagistas que nem comunistas são, dominam tudo aí, e a minoria
em que os meus fiéis sempre ficarão perante tudo isso. Tudo o mais são as boas
intenções com que, segundo o Gide, não se escrevem bons romances. E não me fale
desse Pinheiro Torres, que considero um dos muitos Margaridos que arrastam a
cauda por essas ruas lusas e outros lugares menos públicos.»
Jorge de
sena/Eugénio de Andrade em Correspondência.
Legenda: a capa
do Livro Sexto é tirada do site da Biblioteca Nacional.
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