O relatório semanaldo Comando-Geral da Polícia de Segurança Pública nº 15/74, respeitante ao
período de 6 a 13 de Abril de 1974, enviado para a PIDE que o recebeu a 24 de
Abril, tem todo o tipo de bufaria.
Que continuavam a
aparecer panfletos espalhados nas cidades, vilas e aldeias, relacionados com o
1º de Maio, o Custo de Vida, («A vida
está cara porquê? Porque o governo gasta metade do dinheiro dos impostos na
guerra, porque os monopólios aumentam sem parar os seus lucros, porque o
governo e os monopólios não querem aumentar os salários»), a Guerra
Colonial, aumento das refeições na Cantina Universitária de Lisboa, a
imobilização dos barcos pesqueiros nos portos da Figueira da Foz, Faro,
Peniche, Matosinhos, a exigência da liberdade para 43 activistas da CDE presos
pela PIDE no dia 6 de Abril.
O comando de
Portalegre dá a conhecer «que tendo sido
desactivados os postos da GNR de Póvoa, Chança, Benavila e Cabeço de Vide, o
facto descontentou a população ordeira e satisfez aqueles que viam na presença
da autoridade um embaraço às suas maléficas acções.
Diz-se que em Cabeço de Vide teria havido mesmo uma manifestação de
contentamento e quem Benavila após a saída da guarnição do posto foidanificado
uma horta que o cabo ali tinha».
Ainda do comando de
Portalegre:
Mas à polícia e à
bufaria nada escapava.
O comando de Leiria Informava:
«8 de Abril: realizou-se num restaurante desta cidade um almoço de confraternização de soldados, sargentos e oficiais do ano de 1957, que serviram no extinto Regimento de Artilharia 6, no qual estiveram presentes 115 pessoas. Não houve algo de anormal».
Reparem, agora, neste
pormenor do relatório do comando de Évora:
«Devidamente autorizada pelo Governo civil, realizou-se no “Monte
Alentejano”, nesta cidade, uma sessão de propaganda patrocinada pela “Missão
Cruz Divina”, onde foi feita a apologia de “GURO MAHARAJ JI”, patrono da
religião professada. Falaram 8 pessoas que apenas focaram assuntos relacionados
com aquela religião que disseram servir a todos os indivíduos qualquer que
fosse a sua facção política e que até servia a ladrões, drogados, etc.
Assistiram 150 pessoas sendo a maioria de idades entre os 15 e 20 anos».
Em Braga, até uma
missa do pároco da freguesia de Maximinos foram meter o nariz:
Era neste clima de
denúncia, de sombras, de indignidade em que os portugueses viviam.
Foram 48 anos.
Nem todos o sentiram.
Muitos por
ignorância, outros por indiferença.
Como disse Bertold
Brecht:
Primeiro levaram os comunistas,
Mas eu não me importei,
Porque não era nada comigo.
Em seguida levaram alguns operários,
Mas a mim não me afectou
Porque eu não sou operário.
Depois prenderam os sindicalistas,
Mas eu não me incomodei
Porque nunca fui sindicalista.
Logo a seguir chegou a vez
De alguns padres, mas como
Nunca fui religioso, também não liguei.
Agora levaram-me a mim
E quando percebi,
Já era tarde.
Enquanto a população
trabalhava, outros devassavam as vidas privadas.
Irmãos que espiaram
irmãos, filhos que espiaram pais, vice-versa, maridos que espiavam as mulheres,
vice-versa, amigos que denunciavam amigos, ou aquele episódio contado por José
Luandino Vieira nos Papéis da Prisão: em conversa com o cipaio José soube que o bufo Pina apanhou 30 dias de
cadeia. Motivo: denunciou um homem só para assim poder deitar-se c/ a mulher
dele.
A abominável
tarefa de vigiar e denunciar.
A Bem da Nação
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