Na hora da sua morte,
encontrar um texto do Bastos para aqui colocar, teria que ser da Cidade Diária e, mais concretamente,
este Então que é isso, ó Vitinha?!
O Helder Pinho andava
sempre com o livro debaixo do braço, um livro todo riscado, com as margens
cheia de ideias e comentários e chegou a ter de cor este Vitinha e uma outra crónica Sobre
Domingo,ele que vivia perto do rio, na Rua da Manutenção, junto a Xabregas
e sabia da ronca dos barcos no Tejo em
noites de nevoeiro, e sempre que a malta se juntava, recitava:
Ao domingo entendemos que somos feitos de muitas almas, que dissemos
«sim» à inutilidade aparente das coisas e às coisas definitivamente inúteis,
que não escolhemos o nosso modo de existir, ele aconteceu e assim terá de ser
até à soma final dos dias, que vivemos punidos, unidos, solitários, mas sempre
e sobretudo com os outros – o que será a avulsa dor da nossa glória.
Os mestres
encontravam-se pela noite, num qualquer bar entre Bairro Alto e o Largo da
Trindade. O Eduardo Valente da Fonseca, que, a qualquer hora do dia, da noite,
vagabundeava entre a redação do República e os tascos e bares em redor, acabava
sempre por dizer onde estava o Bastos. Normalmente o poiso certo poiso era o Expresso Bar. Ali no Largo da Trindade.
Bebíamos e falávamos
na noite, tal como escreveu o BB numa outra volta que até mete o Manuel da
Fonseca.
Ou como escreveu o Ângelo
Granja, numa saudação, publicada no Diário Popular, a Capitão de Médio Curso, livro do Bastos de 1978:
Precisamos falar, capitão. se trouxeres contigo o Baptista-Bastos,
ficaremos, como dirá o teu armador, à bebida e à conversa, falando, se calhar. De
jornais e jornalistas, de mulheres e amor, de vinho e bebedeiras, e, isso sem
falta, de livros e escritores. Precisamos falar, capitão, porque homem calado
não faz viagem, é como os barcos de qualquer curso, logo sem curso, emergindo
destroços num mar de palha, por aí qualquer.
Tudo isto, ainda a
faltar algum tempo para o Bastos desatar a perguntar: onde é que estavas no 25 de Abril?
O Bastos dizia: Sou louco. Toda a gente diz que sou louco. É
a minha felicidade. Muitas vezes que as pessoas consideram loucura é uma busca
desesperada de sinceridade.
Pelo Outono de 1995,
numa entrevista à revista Ler,
mostrou-se cansado das mesmas conversas de bares. Ele envelhecera. Os outros
também.
Sempre fui um homem de bares, de tertúlias, de grupos de amigos. Sempre
fui um homem de beber, fiz estas coisas de uma forma excessiva: beber
excessivamente, amar excessivamente, ainda hoje faço isso. Na bebida tive de
cortar um bocado…
Gosto muito desta
crónica do Baptista-Bastos, mesmo muito.
Numa das últimas
vezes que estive com o Helder Pinho, sempre a mudar de amores, de casas, desprendido
de tudo e mais alguma coisa, ainda lhe perguntei se não me queria vender o seu
exemplar anotado da Cidade Diária. Respondeu-me
que já não sabia por onde o livro ficara. E se ainda o tivesse, não mo vendia,
dava-mo.
O Helder era como o
Bastos: fazia tudo excessivamente e por um Agosto quente do ano de 2003, o
coração disse-lhe que já não aguentava mais.
As cinzas foram
lançadas ao Tejo para que ele pudesse continuar a ouvir a ronca dos barcos do Tejo, em noites de nevoeiro, tal como contava
o Bastos, coisas que sugerem a vontade do
sossego e da paz.
Legenda: o título é
de um poema do Lorca que o BB, amiúde, citava, e o recorte é uma notícia do
Expresso de 23 de Março de 1988.
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