A falar de comboios,
Alice Vieira, no seu livro de crónicas Bica
Escaldada, conta da morte de Leon Tolstoi numa estação de caminho-de-ferro:
Um dia, sem que até hoje alguém tenha conseguido
explicar a razão, o velho Leão Tolstoi fugiu de casa, apanhou um comboio, saiu
dele quando já estava muito longe, e deixou-se morrer, sozinho, na pequena gare
de Astapovo. Sempre me pareceu a maneira mais digna de se morrer – sobretudo,
como era o caso, aos 80 anos, depois de já se terem apanhado e perdido todos os
comboios essenciais de uma vida.
Das razões de
Leão Tolstoi, conta José Jorge Letria, num artigo de opinião publicado no Diário
de Notícias de 15 de Maio de 2017:
No dia 14 de Novembro de 1910, Leon Tolstói morreu de
pneumonia na estação de caminhos-de-ferro de Atapovo, na província de Riaz,
depois de abandonar a casa onde vivia e onde Sofia Andreievna, sua mulher e
valiosa colaboradora durante muitos anos, permaneceu.
A relação conjugal fora afectada pela decisão do autor
de Guerra e Paz de prescindir
de metade dos seus direitos de autor. Sofia nunca aceitou essa decisão, como
não aceitou a metamorfose perada na vida e nos hábitos do marido que repudiou a
condição aristocrática de ambos, passou a andar descalço e começou a servir-se
a si próprio nas refeições.
Uma parte significativa da inquietação que esteve na
origem desta radical mudança está presente no texto de Uma Confissão, livro publicado em 1882,
quatro anos antes de A Morte de Ivan Ilitch. Também rejeitou a
autoridade da Igreja Ortodoxa, que o excomungou em 1901. Em tempo de ruptura e
crise escreveu no seu diário: “Tenho uma terrível vontade de deixar-me ir.”
Sobre a morte de
Tolstoi, o poeta brasileiro Mario Quintana escreveu Poema da gare de
Astapovo:
O velho Leon
Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
Contra uma parede nua…
Sentou-se …e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Gloria,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E entao a Morte,
Ao vê-lo tao sozinho aquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali a sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta…)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se ate não morreu feliz: ele fugiu…
Ele fugiu de casa…
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade…
Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
Contra uma parede nua…
Sentou-se …e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Gloria,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E entao a Morte,
Ao vê-lo tao sozinho aquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali a sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta…)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se ate não morreu feliz: ele fugiu…
Ele fugiu de casa…
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade…
Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!
Sem comentários:
Enviar um comentário