Morreu o
Baptista-Bastos.
Tinha 83 anos e
estava há quase dois meses numa cama do Hospital de Santa Maria.
Nas primeiras páginas
de uma viagem de pai e filho pelas ruas da amargura, pode ler-se:
- Pai, ensine-me a não ter medo da morte.
- É algo que um homem não pode ensinar a outro.
Algumas páginas à
frente, diz o Velho:
- A morte não é o pior problema que temos de enfrentar: é o último.
Um cronista
brilhante.
Do seu livro Cidade Diária, escreveu Carlos de Oliveira:
Um livro povoado como
uma cidade; diária, espessamente; porque os livros desertos não interessam a
este «bebedor» de quotidiano. Um estilo original: deflagrar de flashes, remíntones,
telexes; e a expressão popular, a palavra fora de uso, a moderna argúcia
literária. Quer dizer: uma escrita veloz e densa, ao mesmo tempo.
Também um brilhante
repórter e brilhante entrevistador.
Citem-se as entrevistas
que fez para o semanário O Ponto,
algumas publicadas, em Abril de 1984, pela Relógio d’Água.
Nem todas o foram,
como a que fez a Maria do Céu Guerra e que começa assim:
Penso que os funcionários da vida nunca amam – frequentam. E a vida é
mesmo para ser vivida, amada, bebida. Cheirada, degustada. Um bom amante da
vida é. Sempre e necessariamente, um bom praticante profissional; porque, num
profissional medíocre, existe sempre qualquer coisa de inacabado e,
habitualmente, o estofo de um canalha. O comércio com o nosso semelhante é
amiúde, feito e exercido com contradições, litígios, desatenções, desatinos.
Mas é, antes e tudo um encontro. A noção do respeito e da dignidade que a
palavra implica, sugere, exige, está na razão directa do facto de um passante
da vida não a consumir por incompetência e por mediocridade.
Chamava ao whisky o
esperanto dos álcoois: entendemo-nos em
todos os balcões de todos os bares do mundo.
Não fujo à ideia de que me chamam bêbado. Realmente gosto de beber, sem
ser um beberrão, Mas eu gosto dos beberrões, como gosto das prostitutas, dessa
gente que se vê na rua, de rosto rude, marcado, violentado. De resto fujo dos
que não tocam num grama de álcool. Sou velho conhecedor de bares. Porque bebo?
É o medo de estar lúcido.
Jornalista passou por
diversos jornais mas foi no Diário
Popular onde permaneceu mais tempo.
Devo tudo ao jornalismo. O jornalismo ensinou-me tudo.
Recusou-se a tirar o
curso de direito por entender que havia doutores a mais no reino. Adolescente,
jogou boxe no Mouraria Clube. Mais tarde, com Fernando Lopes, ajudou a fazer um
belo filme: Belarmino. Sobre cinema
são também os seus primeiros livros, o ficcionista aparece em 1963 com O Secreto Adeus:
Disse à rapariga que no jornalismo nacional não havia redactores
especializados; que tão depressa se estava a escrever a reportagem de um
incêndio como as notícias de um livro ou a do boletim meteorológico.
- Mas porque não especialistas? Porque isso implica despesas elevadas.
Mas temos a consolação de saber que somos os mais ecléticos, os mais aptos…
Já há muito, muito
mesmo, que não via o Bastos mas nos tempos antigos, e depois nos
outros, andámos muitas vezes à conversa pelas ruas da cidade, barzinho aqui,
barzinho ali.
Passos e mais passos,
vidas e mais vidas, acabámos por nos desencontrar.
Valente é o homem que está cheio de medo daquilo que lhe vai acontecer,
mas avança, é como o cão a avançar para as flores, ele sabe que vai morrer mas
procura o sítio ideal para morrer.
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