Carta de José
Saramago, datada de 8 de Maio de 1967, para José Rodrigues Miguéis:
Leva uma pessoa quase uma vida a sonhar com Paris, e depois chega lá,
olha em redor, vê o Sena que é assim a modos que o Tejo visto do outro lado do
binóculo, e murmura, decepcionado: «Afinal é só isto?» Pois é, é só aquilo.
Duas horas depois, porém, começa a sentir-se que a cidade vai entrando, e daí a
nada levantamos a bandeira branca: rendição! Foram quatro dias de
re-descoberta, que é aventura bem melhor que a descoberta. Vi o que era
possível ver em tão pouco tempo e andei quilómetros de enfiada, ali, a pé.
Imagine se eu ia perder uma passada que fosse… Ficou-me foi a ideia fixa de
voltar…
Mas descobri uma coisa muito séria: é que nós, portugueses, somos, afinal,
um excelentíssimo povo! Talvez eu esteja enganado, mas não creio que os
franceses (ou os parisienses) mereçam a cidade que têm. Aquilo pode ser a douce
France, mas o povo é que não tem nada da
tal douceur de vivre tão apregoada.
Ponho-me a pensar que grande troca seria pôr em Paris os alfacinhas e em Lisboa
(vá lá) os parisienses. Faziam-se duas grandes cidades… A sério: ou eu estou
muito enganado, ou não há povo como o português. Apelo para a sua experiência
de vagamundo. Estou errado?
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