Ninguém o disse melhor que o senhor Presidente da República, que afirmou que “a
vitória na Eurovisão deu 'mais 20 centímetros' aos portugueses”. Sim,
excelente, andamos todos com mais 20 centímetros, mas onde é que está o metro e
meio que perdemos como nação há 20 anos para cá, com a perda de poderes do
Parlamento português, com a assinatura de tratados como o Orçamental, com a
subjugação a um modelo de crescimento medíocre em nome das “regras europeias”,
com acordos como o Acordo Ortográfico, que fez proliferar as normas da
ortografia do português, em vez de as unificar, ficando nós com a mais pobre,
com os cortes no ensino da língua e da projecção da cultura, com a ênfase na
diplomacia económica e o definhar das instituições como o Instituto Camões?
O mais grave de tudo é que os 20 centímetros que o
Salvador Sobral trouxe são em grande parte mérito dele, e o metro e meio que
perdemos é demérito nosso. Foi o resultado de uma política de dolo que a União
Europeia usou, com destaque para ao Tratado de Lisboa, que tirou às escondidas
e sem debate público poderes que ninguém conscientemente deu à União, em
detrimento da soberania nacional, foi o resultado dos desastres de Sócrates que
nos levaram ao resgate e da política para forçar eleições em 2011 do PSD, foi o
resultado da nossa apatia cívica face ao que é verdadeiramente importante, em
contraste com as excitações futebolísticas. Foi o resultado de um sistema
político no qual a dimensão cultural, histórica e expressiva da língua e da sua
ortografia foi deitada ao lixo, por uma espécie de engenharia diplomática que
se revelou um desastre, ficando todos pior do que o que estavam.
José Pacheco Pereira no Público
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