terça-feira, 2 de maio de 2017

OLHARES


Da minha infância guardo os fins-de-semana, alguns dias das férias do Carnaval, da Páscoa, do Natal que passava em casa da minha avó paterna, umas águas- furtadas no nº 16 da Rua Senhora do Monte, o casario da Graça, uma vista esplendorosa para o Tejo, cheio de fragatas, de navios a descarregarem cereais a granel, a outra margem com as altas chaminés do Barreiro, desprendendo fumos.

A minha avó, nos dias de sol, punha um pano branco para fazer sombra, uma mesinha na varanda das águas-furtadas, frente a um rio que é um mar.

Ficava ali horas.

Ali, sentia que o mundo era maravilhoso e assim seria para todo o sempre.

Ali, era o meu lugar de eleição, uma magia única, um paraíso que não mais voltei a encontrar, qualquer coisa que toca, enfeitiça.

Algures, Walter Benjamim diz que para conhecer toda a melancolia de uma cidade, é preciso ter sido lá criança.

Como António Gedeão, sempre quis voltar a subir aquelas escadas, bater à porta, dizer a quem a abrisse, que um miúdo de 8 anos em tempos distantes olhava o Tejo daquela varanda e se poderia rever essa sensação.

Quando subo aquela rua, paro à porta, olho o marco do correio que ainda se encontra junto à porta e, ao contrário de Gedeão, nem as escadas subo.

Dados os tempos de insegurança, de gatunagem diversa que se vivem, talvez a ideia não fosse assim tão fácil de concretizar.

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