Elegia Para Um Caixão Vazio
Baptista-Bastos
Capa: José Pinto
Nogueira
Edições O Jornal,
Lisboa, Fevereiro de 1984
Percorri um caminho incalculável, um tempo de analogias e de
conhecimentos, obedecendo, impotente, a leis naturais que me vão destruindo e degradando.
Estou cansado de perseguir: notícias, mulheres, o êxito, a felicidade.
Ambiciono uma agitação ordenada, saturei-me do alvoroço aflito, já pouquíssimas
coisas me melindram, consegui curar-me de chagas e de remorsos, expulsei-me eu
próprio do sonho. Reconheço-me por aquilo que fui realizando, seria difícil o
contrário, mas tudo o que fiz parece-me inútil, um intolerável lugar-comum; e
já perdi todas as disponibilidades: fui reduzido e reduzi-me. O grito, a
imprecação, a viva-voz são mais contundentes, mais eficazes do que a palavra
escrita. De aí, talvez, que as histórias contadas de geração para geração (a
verdade coral, a oralidade) se tenham mantido mais vivas, mais coloridas do que
a palavra escrita. Nunca consegui viver e reflectir com rigor e escrúpulo o que
vi. Sempre existi num universo de ideias e de alegorias, e a realidade é-me
implacavelmente fastidiosa. Mas houve tempo em que julguei ser impossível
acreditar em outra gente, em outro local, em outro destino. É; eu sei, tudo
isto é deprimente, inacabado até ao fim dos tempos, sem que nada me tenha
notificado do prazo. Todavia, só disponho deste povo, deste país, destes
hábitos, desta monotonia, deste corpo e desta consciência. Queira ou não, sou
impelido a eles, a com eles convizinhar, eis o meu fado, a minha sina.
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