Talvez a grande questão dos dias que vamos enfrentando, talvez se
reduza a algo um tanto ou quanto tão simples como difícil ou impossível: A
questão é onde se deve parar a guerra e começar a negociar.
Há quem diga que os únicos que vêem o fim das guerras são aqueles que nessas
guerras encontram a morte.
Henry Kissinger, ex-secretário de estado dos Estados Unidos, foi ao
Fórum Económico Mundial de Davos apelar ao Ocidente para não infligir derrota
pesada a Moscovo e pediu sensatez à Ucrânia e ceda território aos russos.
Eu pensava que Kissinger estava a comprimidos numa qualquer instalação
de saúde norte-americano. Este tipo, em nome da democracia, cometeu os maiores
crimes internacionais e nunca se poderá esquecer a queda de Salvador Allende e
a entrega do poder chileno ao assassino Augusto Pinochet.
O Papa Francisco: «Estou muito longe de poder responder à questão
sobre se é certo fornecer armamento aos ucranianos. O que está claro é que as
armas estão a ser testadas naquela terra. Os russos sabem agora que os tanques
são de pouca utilidade e estão a pensar noutras alternativas. As guerras são
travadas para isso: para testar as armas que produzimos.»
A Finlândia e a Suécia entregaram as candidaturas de adesão à NATO.
O presidente Erdogan da Turquia disse que a entrada da Suécia e da
Finlândia não acontecerá, pelo menos enquanto ele estiver à frente dos destinos
do país.
Fiquei depois a
refrescar-me com a releitura de algumas páginas do livro, um vício gratificante
que utilizo constantemente, e fui cair numa história contada pelo jornalista
Roby Amorim, falecido em Dezembro de 2013, que refere a filha-da-putice feita ao escritor Carlos Eurico da Costa,
então jornalista do Diário Ilustrado.
Só que um dia
mostraram-se interessados num grande projecto que era fazer alumínio em Angola,
isso necessitava da intervenção governamental e para isso era preciso estar bem
com o governo e tiveram a necessidade de controlar o jornal começando por dar
uma varridela nos jornalistas da casa, todos, ou quase, gente da oposição.
Um desses casos
foi o despedimento de Carlos Eurico da Costa com um pretexto perfeitamente
absurdo. Ele tinha tirado duas ou três linhas de chumbo (os jornais ainda se
faziam a chumbo) porque era pescador, para fazer lá uns apetrechos para a
pesca, duas ou três linhas de chumbo que custavam dez centavos ou qualquer
coisa assim. Foi despedido por roubo.
Amanhã começo a estudar, era frase preferida quando
andava no liceu e um qualquer amanhã para estudar, como tantos outros, nunca apareceu.
Não chegou a doutor, nem a engenheiro, nem a
arquitecto, não chegou a nada.
E quando a vida o obrigou, pegou no que lhe apareceu à
mão, e aí, ainda se lembrou dos conselhos do avô paterno que, no que quer que
fosse, devia sempre fazer o seu melhor. Até a vender cascas de alhos, temos de
dar o melhor.
O paleio vem a talhe de foice porque encontrou, nestes dias difíceis que vai atravessando, em
ficheiros diversos, uma série de histórias que prometeu, por aqui, ir contando.
Ainda lá está, quase prontinho, o texto a falar das
(não) razões porque nunca acabou o Ulisses
do James Joyce.
Ainda a ideia triste
que alguém teve – o autor? A editora – de abandonar a publicação, em livro,
das crónicas que vai escrevendo, ainda a face mais legível do que escreve.
Um dia
perguntaram-lhe:
- Porquê as crónicas?
- Não tinha dinheiro
e era bem pago.
Tenho os livros que
reúnem as crónicas do Lobo Antunes, mas ao olhar o pavilhão da Dom Quixote, ou
da Leya, ou do raio que os parta, vi um cartaz que anunciava uma antologia de
crónicas do autor. Como me perco por antologias porque uma antologia é sempre gratificante, como
ter todos os discos do Leonard Cohen e nunca deixar de comprar os «besto of».
Arranquei
para comprar o livro mas, espanto dos espantos, leio que o prefácio é de
Marcelo Rebelo de Sousa.
Não sei do que o
Marcelo percebe, talvez de sebentas, mas livros não se me afigura.
Mas como
presidente dos afectos e das fotos beijoqueiras, do opinar sobre tudo e mais alguma coisa, prefaciar um livro de crónicas do
Lobo Antunes parece-me um destempero a que não sei dar nome.
De quem é o braço?
E os cabelos sujos, roídos pela caspa
e falta de água?
E a perna que enlanguesce sob o tecido ruço
que não retém memória?
Meu deus, dirão os velhos ao descer com vagares
as escadas do metro, a mocidade agora
é sexo só e sujo a rolar pelo chão.
Mas quem deita o olhar com mais ternura
e calma
sobre o novelo dos dois
descobre no ar em volta a tessitura tensa
do desejo, um halo amarrotado pela fugaz curvatura
do sonho.
E na lama pérfida que se sobrepõe aos beijos
a parábola fiel às gerações
da terra.
Forçoso será então que caia a chuva,
e cubra a carne sôfrega
exposta à multidão.
Os solitários amaldiçoam toda a inocência
exibida em degraus, caída de bocas tão imundas,
tão perto do inferno
e do êxtase.
O amor pode ser também dalguns que passam
de olhos feridos,
o coração apertado de sangue
e breve compaixão.
Mas só os dois, ali, enleados na energia da alma,
são um palco da alegria do mundo,
gratuito,
à distância da morte e da sua serpente
circular.
São jovens, e estão a soletrar
tão mansos, o horror apreendido pelas bocas
que despontam,
como a planta se eleva do chão endurecido,
como o animal à luz no limiar do medo.
Os dois, ali, expectantes, transparentes, nus,
na natureza de sempre.
Entendi que um texto
serviria melhor do que um comentário circunstancial.
Sou mais de livros e
de filmes do que de músicas. Musicalmente não sou tipo de confiança. Todo o meu
gosto musical é caótico, uma completa anarquia, não dá para entender. Se gosto,
gosto, se não gosto, passo à frente.
Vai de Vivaldi ao Conjunto da Maria Albertina, passa por Tony Bennett, Pete
Seeger, Gram Parsons, Neil Young, Agostinho dos Santos. Maysa Matarazzo.
Confusos?
Certamente que sim,
mas a família diverte-se, os amigos nunca entenderam e, no fundo, apenas tento
seguir os passos do velho Saint-Just quando dizia que a felicidade, seja lá o
que isso for, é possível!
Eram de 78 RPM os primeiros discos de casa do meu pai, que rodavam num pick-up instalado num móvel com um rádio Blaupunkt que, para além do
alti-falante central, tinha dois laterais.
O meu pai tentava fazer perceber ao meu avô que aquilo era a estereofonia, o
meu avô era quase surdo e acenava com a cabeça.
Os bailes de aniversário, ou Carnaval, tinham, por exemplo, o Renato Carosone a
cantar Torero ou a Picolissima Serenata, também Nat “King” Cole e Line Renaud,
enfim, o que havia à mão, e não era muito.
Os tais bailes da
vida como, noutro contexto, diria, o Milton Nascimento.
Vieram depois uns 33 RPM, (que eram um LPsmais curtos) Popular Favourites da Philips
com selecção de canções do Frankie Laine, da Jo Stafford, dos Four Aces, a
Rosemary Clooney, o Louis Armstrong a Orquestra de Roberto Inglês, por aí fora.
Depois chegaram os EP”.
O meu pai tornou-se um fã do Paul Anka, do Pat Boone e o Volare cantado pelo
Dean Martin
Os 78 rotações partiram-se. Guardava um da Hebe Camargo a cantar Índia, mas nunca mais o vi. Dos EPs e
dos 33 rotações a maior parte perdeu-se ou foi desviada.
O passar a conhecer outras músicas, devo-o ao programa Em Órbita, com histórias e memórias registadas, por aqui, com a
etiqueta do programa.
O primeiro “EP”
comprei-o na “Discoteca Universal” (30.06.1966), You Were on My Mind do Crispian St. Peters, por causa do The Pied Piper queainda ouço com imenso prazer e que me traz
sempre à memória, o Cândido Mota a dizer, no Em Órbita já com as primeiras espiras a correr: sigam-me que eu sou
o tocador da flauta mágica.
Mais tarde levei uma
enxurrada de grande música, de grandes músicas, fornecidas pelo meu amigo Luís
Miguel Mira, um profundo, mas mesmo profundo conhecedor de música,
principalmente Folk Music e Country Music e que, volta e meia, nos delicia com
histórias que por aqui tem publicado e é sempre bom lembrar que tem um livro
publicado Crónicas da América que,
com um bocado de sorte, pode ser encontrado em alfarrabistas ou feiras de livro
ocasionais.
Mas sempre fui um
disperso em músicas e em estilos.
Lembro-me dos tempos
em que andei apanhado pelos sons e vozes da Motown, lembro-me quando andei a
comprar discos do Vangelis porque, mercê de largos gin-tónicos no British –Bar,
descobri que Vangelis levara a música electrónica a um outro nível.
E houve aquela
pancadinha pelo trabalho que Vangelis fez com o Joe Anderson, o vocalista dos Yes
Dois discos ficaram
por aí.
Peguei no Friends of Mr Cairo porque tem uma
canção I’ll Find My Way Home.
Reproduzo a capa do
disco que tem a curiosidade de no topo do lado direiro, num rectangulozinho
branco, ter o preço: 350$00, que ao cambio da moeda de hoje seriam una 1,75
euros, mas naquele tempo, para o teso que sempre fui, era dinheiro.
Há uns bons tempos atrás, a minha filha Sara, hoje com 44 anos, perguntou-me se eu ainda tinha o LP.
Acrescentou então que I’ll Find My Way Home, de tanto a ouvir cá por caso,
ficara como uma das canções da vida. Respondi-lhe que nunca me apercebera, mas entendi, porque é sempre bom saber o sítio
onde se cai, e nunca esquecer o caminho de casa, também porque só estaremos sozinhos,
se quisermos mesmo que isso aconteça.
O Alexandre O’ Neil ,
numa entrevista, deixou uma fabulosa ideia sobre a solidão:
«A solidão procurada é boa., a não procurada, às vezes é chata.
O estar sozinho não é a solidão. Às vezes está-se sozinho porque se
quer e isso pode dar um bom monólogo, uma meditação. O facto de eu viver só é
que, às vezes, é chato e vou até ao barbeiro da esquina só para falar com
alguém.»
Ana Leonardo Coimbra
chega diariamente ao Café do Monte, medita, e fala com o parceiro da mesa ao
lado dizendo que a frase de Sholom Aleichem
todos os dias tem de ser corrigida: «Os
ricos continuam ricos e os pobres estão a morrer de fome, como sempre.»
Porque os bilionários
estão agora em Davos para gritarem hossanas nas alturas face aos incríveis aumentos
das suas fortunas. A pandemia, o aumento dos preços dos alimentos, da energia,
a guerra na Ucrânia, determinam que a pobreza vai cair, ainda mais, em patamares
mais extremos, e determinará a impossibilidade de sobrevivência de muita gente.
Francisco Louça, no Expresso diz-nos que um orçamento faz-se
com rum, papas e bolos:
«A encenação à volta da lei, que pouco entusiasma os alinhamentos
noticiosos, devorados pela tragédia ucraniana e pelos foguetórios do futebol,
nem chega por isso a ensaiar algum artifício. Confirma-se que o governo tem nos
liberais um aliado para reduzir o salário real da função pública, afinal Rui
Rio sempre tinha razão ao colocá-los à sua direita, nada de novo. Confirma-se
que o Chega vive de fogo fátuo, nada de novo. Verifica-se que o PSD-Madeira
trata da clientela e, para tanto, consegue reduzir um imposto sobre o rum
exportado e reabrir as inscrições de empresas na Zona Franca, uma galinha de
ovos de ouro. O governo, que há um ano e galhardamente se recusa a cumprir a
determinação da Comissão Europeia de fazer restituir mil milhões de euros de
subsídios indevidamente pagos a 300 empresas, oferece mais este bónus aos
maratonistas do planeamento fiscal, mesmo condescendendo que aqueles deputados
regionais acabarão por votar contra o Orçamento, uma vez concluída a exibição
da sua musculada negociação. A boa vontade conta, também nada de novo.»
Quem terá notado o gesto subtil do velho quando,
ao enrolar o tabaco, limpou o indicador cheio de cuspo
no tampo da mesa? Ali, há exactamente dois dias,
sentara-me eu a escrever reflexões religiosas e um canto
filosófico; depois, cansado do trabalho mental,
desenhei a lápis duas ou três figuras na madeira gasta.
Agora, os restos de café e a saliva dos velhos transformam
esses desenhos banais em peças
de uma autêntica mitologia.
O fumo do tabaco envolve-os como se fosse uma névoa antiga,
e as palavras trocadas, a meia voz,
pelos ocasionais frequentadores daquele canto
lembram-me esconjuros, maldições, ou apenas
a invocação de algum espírito transitório.
Assim, não posso passar sem ir, uma ou duas vezes por dia,
àquele sítio: observar um vulto que, inconscientemente,
iniciei; e também ouvi o velho Baco
cujas histórias me dão sede e sono.
Mas que fazer nesta cidade de província,
no inverno, à parte ouvir os velhos
ou inventar histórias, enquanto se bebe café
e aguardente?
A propósito da
“Country Music” e do “Grand Ole Opry”, já vos contei que, algures nos finais
dos anos 60, a nossa televisão passou uma série de programas musicais antigos
que só muito mais tarde me vim a aperceber que eram alguns dos episódios do
“Opry” que foram gravados pela televisão americana e, mais tarde, vendidos para
o estrangeiro.
Também vos confessei
que esses programas, de tão foleiros que na altura me pareciam ser, não fizeram
muito pelo meu gosto pela “Country Music”, bem pelo contrário…
Mas lembro-me
perfeitamente que, em quase todos eles, aparecia um tipo muito alto e muito
magro, sempre vestido de claro e com um grande chapéu à cowboy na
cabeça, que andava sempre aos saltos, sempre em movimento, sempre a dizer
graçolas que me pareciam não ter graça nenhuma, assim tipo um João Baião american
style. E, de vez em quando, cantava qualquer coisinha, que raramente
me encantava.
Vim a perceber,
também muito mais tarde, que se tratava de Ernest Tubb, uma das figuras
lendárias do “Grand Ole Opry” e de Nashville.
Ernest Tubb nasceu em
Crisp, no Texas, em 1914, e por isso em Nashville lhe puseram a alcunha de
“Texas Troubadour”, nome que veio a dar mais, tarde, à sua própria banda de
apoio.
Fortemente
influenciado por Jimmie Rogers, de quem já aqui vos falei, Tubb iniciou a sua
carreira musical em 1936 e andou por diversas rádios e diversos palcos de
diferentes cidades do Texas, até que, em 1941, obteve um enorme sucesso com
“Walking the Floor Over You”, uma canção precursora do chamado estilo
“honky-tonk” que lhe abriria as portas de Nashville e do “Grand Ole Opry”, onde
entrou em 1943 para nunca mais de lá sair. Era uma das figuras mais
carismáticas da cena da Música Country”, e veio a falecer em 1984, na sequência
de um enfizema pulmonar contraído dois anos antes.
Mas vamos ficar por
aqui, porque o meu objetivo de hoje não será acompanhar, com detalhe, a
carreira de Ernest Tubb, mas apenas falar-vos da sua célebre “record shop” e de
outros factos importantes na História da “Country Music”, que com ela estão
relacionados.
Ernest Tubb foi
visionário e em 1947, alguns anos depois de chegar a Nashville, abriu uma loja
de discos que teve a particularidade de ter sido a primeira a nível nacional a
dedicar-se, exclusivamente, à ”Country Music”, quando esta estava a levantar
voo mas ainda não era o fenómeno de massas que viria a ser uns anos depois.
Essa loja situou-se,
inicialmente, na 720 Commerce Street, uma rua paralela à Broadway, mas em 1951
foi transferida para o local onde ainda hoje se encontra, no 417 Broadway
Street.
E se a abertura dessa
loja já foi, por si só, muito importante para a “Country Music”, outro
acontecimento houve que se tornou tão ou mais importante para a sua História. É
que, aproveitando o sucesso do “Grand Ole Opry”, Ernest Tubb imaginou e passou
a emitir a partir da sua loja um novo programa musical dedicado à “Country”,
com a particularidade de ser emitido também aos sábados à noite, logo após o
final da emissão do “Opry”. E ainda com uma outra característica… É que muitos
dos artistas que nessa noite atuavam no “Opry”, sobretudo os mais novos e menos
conhecidos, atravessavam a rua a correr e iam para a “Record Shop” do Ernest
Tubb, onde eram acolhidos com carinho, benevolência e com direito a maior tempo
de antena. Se na “Opry” se limitavam a cantar uma ou, no limite, duas músicas,
aqui era-lhes concedido bastante mais tempo.
Esse programa
chamou-se “Midnite Jamboree” e durou quase até hoje (já vão perceber o porquê
do “quase”…), sendo apenas superado pelo “Opry” como o programa de rádio mais
antigo dedicado ao seu género musical nos Estados Unidos. Entre 1947 e
1976 foi emitido diretamente das próprias instalações da ”Record Shop”, mas a
partir daí transferiu-se para mais perto das novas instalações do “Grand Ole
Opry”, mas sempre com entradas gratuitas. Compreende-se porquê: se os artistas
saiam de um a correr para entrarem no outro, eles teriam de se encontrar a uma
curta distância um do outro.
Já neste século, o
“Jamboree” começou a ter algumas dificuldades financeiras e as emissões foram
suspensas durante algum tempo, tendo sido retomadas em Julho de 2021, de novo a
partir das instalações da “Record Shop”, como nos bons velhos
tempos.
“Midnite Jamboree”
tinha uma particularidade: a abertura de cada programa era sempre feita com
“Walking the Floor Over You”, talvez o maior sucesso de Ernest Tubb, seguida de
uma qualquer canção de Jimmie Rogers, que foi a sua grande fonte de inspiração,
como no início vos referi.
Uma outra marca deste
programa era, como também já vos disse, as oportunidades que proporcionava aos
novos talentos. Parece que Ernest Tubb era conhecido por ser um homem muito
generoso, nada invejoso do sucesso dos outros e sempre disponível para ajudar
alguém que dele se aproximasse e cujo talento ele reconhecesse. Essa ajuda
podia passar por “meter uma cunha” aos responsáveis do “Grand Ole Opry” para os
receberem no programa, permitir que atuassem no “Jamboree”, convidá-los para
que o acompanhassem nas suas muito frequentes “tournées” pelos Estados Unidos,
ou até integrá-los na sua própria banda de apoio, quando surgia uma boa
oportunidade. Muitas das futuras grandes vedetas de Nashville lhe ficaram
eternamente gratas pelo apoio que Ernest Tubb lhes deu, e daí o imenso carinho
que nunca deixaram de lhe devotar.
Carismático, ou não,
nunca consegui mudar radicalmente as minhas primeiras opiniões de adolescente
acerca da música de Ernest Tubb. Ainda hoje o oiço de vez em quando, à
espera que qualquer coisa se passe, mas, como diriam os espanhóis, não passa
nada… Para falarmos da mesma época e do mesmo estilo, prefiro-lhe, de longe,
Roy Acuff.
Mas nem por isso
deixei de ir visitar a sua “Record Shop”, um dos derradeiros ícones da velha
Nashville.
A vasta sequência de
fotografias que aqui vos mostro ilustra bem por que motivo vos disse
anteriormente que John Hartford se tinha enganado e que, nos dias de hoje, ela
estava tudo menos “dark”.
Penso que estas
fotografias ilustram bem o que é o interior da “Record Shop”, mas dar-vos-ei
apenas um esclarecimento no que respeita àquela pequena zona que se vê no fundo
da loja, dedicada a Loretta Lynn, que ainda é viva e acabou de fazer 90 anos.
Porquê a Loretta
Lynn, perguntar-me-ão vocês…
Porque era
precisamente naquela zona do fundo da loja que atuavam os convidados do
“Midnite Jamboree” e por Loretta Lynn ter sido, talvez, a mais célebre das
figuras da “Country” que por lá passou, tendo ficado eternamente grata a Ernest
Tubb por essa oportunidade.
E talvez que o facto
de Loretta e Tubb terem cantado em dueto também tenha contribuído para
estreitar, ainda mais, a amizade entre ambos.
A partir de meados
dos anos 60 estiveram em moda em Nashville os duetos mistos, compostos por um
cantor e uma cantora em que pelo menos um deles já beneficiava de uma certa
notoriedade (quase sempre o homem…). Houve muitos, mas talvez os exemplos mais
conhecidos tenham sido Johnny Cash e June Carter, George Jones e Tammy Wynette,
ou Porter Wagoner e uma muito jovem Dolly Parton.
Por esta altura,
Ernest Tubb aceitou ser parceiro de Loretta Lynn e gravaram juntos três álbuns
entre 1964 e 1969, o que também iria contribuir, em muito, para a projeção da
autora de “Coal Miner’s Daughter”.
No biopic de
1980que Michael Apted dedicou a Loretta Lynn, que se chama,
precisamente, “Coal Miner’s Daughter” e tem Sissi Spackek no papel de Loretta,
Ernest Tubb é uma das poucas celebridades de Nashville que nele aparecem in
person, sendo que Roy Acuff e Minnie Pearl também lá estão, mas apenas por
breves segundos e como figurantes no palco do “Ryman”.
Este filme tem,
aliás, uma outra curiosidade que até se relaciona com o teor deste texto. É que
nele vemos Ernest Tubb receber com grande simpatia uma muito jovem Loretta Lynn
no “Opry” e depois vemo-la já no inte
rior da “Record Shop” em pleno “Midnite
Jamboree” e a fazer a célebre dedicatória de “I Fall to Pieces” a Patsy Cline,
então internada no hospital devido a um grave acidente de automóvel, que havia
de as tornar amigas e companheiras de trabalho inseparáveis, até Patsy Cline
desaparecer num trágico acidente de aviação em Março de 1963. O recente
(2019) e simpático telefilme “Patsy & Loretta”, de Callie Khouri, que por
cá tem passado num dos canais cabo, retrata com maior detalhe esta relação. O
horroroso “Sweet Dreams” (1985), que Karel Reisz dedicou aos últimos anos da
vida de Patsy Cline , com Jessica Lange no papel de Patsy, passa ao lado de
tudo isto…
Desculpem-me este longo
parêntesis, mas estas coisas da música e do cinema são como as
cerejas…
E a nossa conversa de
hoje teria ficado por aqui, não fora eu ter sentido necessidade de ir à net
procurar uma informação que não encontrei em nenhum dos livros da biblioteca cá
de casa.
A informação de que
necessitava era muito simples: em que ano se mudou a “Record Shop” da Commerce
Street para a Broadway.
Encontrei-a muito
facilmente.
Mas, infelizmente,
encontrei também outra, bastante mais inesperada e indesejável.
A “Ernest Tubb
Record Shop”, que eu tinha visto tão cheia de luz poucos anos antes, encerrou
as suas portas no passado dia 11 de Março e o “Midnite Jamboree” deixou de ser
emitido mais ou menos na mesma altura. Estava apenas prevista uma emissão
especial no dia 3 de Maio, para comemorar os 75 anos do programa.
Parece que conflitos
entre os atuais acionistas da loja e entre estes e o proprietário do edifício
onde ela estava instalada conduziram a este desenlace.
Mas onde é que eu já
vi este filme…?
Infelizmente, no que
respeita às chamadas “lojas históricas”, o panorama parece ser idêntico em todo
o lado, e sempre com a mesma justificação: o fraco peso da História, por um
lado e, por outro, o fortíssimo direito inalienável dos proprietários dos
edifícios a fazerem o que lhes der na real gana. Mas a verdade é que nunca
esperei que, na América, uma loja com o peso histórico que esta tinha pudesse
vir a sofrer este destino. Sei que uma associação que se chama “Saving Country
Music” está disposta a lutar com todas as suas forças contra o encerramento da
loja e o fim do programa radiofónico, mas duvido que consigam ter algum
sucesso…
Os YouTubes, as
Spotify, as Tidal, as Netflix, os Mubis e tantas outras fizeram com que objetos
tais como os CD’s e os DVD’s se tenham deixado de vender…
Aqui na minha cidade,
na Seção de Cultura e Lazer do “El Corte Inglês” deixei de encontrar livros,
filmes e discos. Encontro aparelhagens e jogos de computador… E programas de
viagens. Muitas e diversificadas “viagens de sonho”, às mais paradisíacas
praias deste planeta…
Na FNAC, a zona de
DVD’s e de CD’s tem vindo a ser reduzida, quase de dia para
dia…
É triste que, ao fim
de 50 anos, a profecia de John Hartford se tenha tornado, finalmente, realidade
e que a “Ernest Tubb Record Shop” tenha sido obrigada a apagar as suas luzes e
a fechar as suas portas. E, com ela, a “Midnite Jamboree”.
A partir de agora,
ambas passarão a ser memória, como quase tudo na velha Nashville da “Country
Music” me parece ser, nos dias de hoje, apenas memória…
De quem viveu e de
quem, como eu, apenas ouviu contar…
Recomendação de leituras:
Duvido, sinceramente,
que este tema possa interessar, verdadeiramente, algum dos meus simpáticos
leitores, mas, se for esse o caso, recomendo a leitura do artigo “Loretta Lynn
at 90, and the Ernest Tubb Record Shop”, que foi publicado no ano passado pelo
site “Saving Country Music” e pode ser encontrado na net.
Poderão dizer que é
uma questão de sorte. Não tenho qualquer problema em admitir que sim. Mas
depois há sempre mais qualquer coisa e a sorte transforma-se em outras coisas:
conhecer, ter vontade de saber mais qualquer coisinha para chegar à grande luz,
à enorme revelação.
Num jornal, que
poderei admitir que tenha sido no JL,
li o poema Esplanada de Manuel
António Pina.
Não conhecia o autor
e aquele foi o primeiro poema que li.
E gostei de uma
maneira a que não posso chamar outra coisa senão deslumbra- mento.
De uma forma simples,
tão simples que até arrepia, estava ali, o relógio dum tempo, seja esse tempo o
que for, de quem for. Ali esparramava-se o que foi o passado de uma geração,
depois o surgir de uma ilusão, talvez diversas ilusões.
Por onde é que eu
andara que este tipo passou completamente ao meu lado?
O Pina nasceu em
1943, eu nasci dois anos depois.
Se há poemas
perfeitos este é um deles.
Doze linhas de versos
encaixados num olhar da esplanada seja ela qual for:
Naquele tempo falavas muito de perfeição,
da prosa dos versos irregulares
onde cantam os sentimentos irregulares.
Envelhecemos todos, tu, eu e a discussão,
agora lês saramagos & coisas assim
e eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando as tuas pernas que subiam lentamente
até um sítio escuro dentro de mim.
O café agora é um banco, tu professora de liceu;
Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.
Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes,
e não caminhos por andar como dantes.
Quando então li o
poema, que faz parte do livro Um Sítio
Onde Pousar a Cabeça, editado em 1991, tenho a vaga ideia de ter lido o
poema durante o ano de 2009, ficaram estas palavras chaves faróis de um tempo,
que assim, ou de outro modo, uma geração viveu.
envelhecemos todos, agora lês saramagos
e coisas assim, já não fico a ouvir-te como antigamente olhando as tuas pernas
que subiam lentamente até um sítio escuro dentro de mim, o café é um banco,
Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu, agora as tuas pernas são coisas
úteis, andantes, e não caminhos por andar como dantes.
Andei em demanda do
livro, que é o seu sexto volume de poesia, mas nunca o encontrei. Tratou-se de
uma pequena edição de um pequeno livro, em edição do autor e fora do mercado. Fui
ficando com o recorte colado numa folha A4 e só em Outubro de 2001, quando o
Pina publicou Poesia Reunida a que
passei a ficar com o poema fazendo parte de um livro.
Mais ou menos por este
tempo, recordo-me de ter lido uma frase do Manuel António Pina que nunca
esqueci: «adultos que não souberam honrar
os jovens que foram».
A frase do Pina era
endereçado aos que em tempos defenderam ideias e ideais que depois mandaram
para as urtigas.
Spring, Summer, Winter & Fall – Such a Funny Night – I Want To Live – You
Always Stand In My Way – Rain And Tears
Lado 2 Let Me Love, Let Me Live – Don’t Cry To Catch A River – It’s Five O’
Clock – Wake Up – End Of The World
É um velho vinil cá da casa.
Os Aphrodite's Child, como grupo, acabaram em 1972.
No lugar sereno das memórias deixaram encantamentos vários, alguns estão neste Best.
O fim dos “Aphrodite's Child” originou dois ressurgimentos: o sr. Evángelos
Odysséas Papathanassíu, passou a ser conhecido simplesmente como Vangelis e
fazedor de bandas sonoras, algumas conseguidas, outras, enfim… enquanto que o
sr. Artemios Ventouris Roussos apresentou-se ao mundo como Demis Roussos, o
homem que pedia para o deixarem dançar, gostava que o vento fosse seu amigo e
que se tornou uma cópia do Tony Carreira, ou vice-versa.
O secretário-geral da
ONU, António Guterres, apelou à acção do Conselho de Segurança na questão da
segurança alimentar, alertando que a fome aguda afectava, no ano passado, cerca
de 140 milhões de pessoas em apenas 10 países, Afeganistão, República Democrática do Congo, Etiópia, Haiti, Nigéria,
Paquistão, Sudão do Sul, Sudão, Síria e Iémen, ao mesmo tempo afirmou que cerca de 67% das pessoas subnutridas do
mundo vivem em áreas afetadas por conflitos.
A eterna pergunta:
Mas para que serve a ONU?
Quase se pode concluir que toda aquele gente, chorudos
ordenados e regalias várias, apenas assiste, sentada em secretárias a guerras e à fome no mundo.
Tempo para lembrar Bertolt Brecht:
O HORROR DE SER POBRE
Risco c’ um traço
(um traço fino, sem
azedume)
todos os que
conheço, eu mesmo incluído.
Para todos estes
não me verão
nunca mais
olhar com azedume.
O horror de ser
pobre!
Muitos gabavam-se
que aguentariam, mas era ver-lhes
as caras alguns
anos depois!
Cheiros de latrina
e papéis de parede podres
atiravam abaixo
homens de peitaça larga como toiros.
As couves aguadas
destroem planos que
fazem forte um povo.
Sem água de banho,
solidão e tabaco
Nada há que exigir.
O desprezo do
público
arruína o
espinhaço.
O pobre
nunca está sozinho.
Estão todos sempre
a espreitar-lhe
para o quarto. Abrem-lhe buracos
no prato da comida.
Não sabe pra onde há-de ir.
O céu é o seu
tecto, e chove-lhe lá para dentro.
A Terra enxota-o. O
vento
não o conhece. A
noite faz dele um aleijado. O dia
deixa-o nu. Nada é
o dinheiro que se tem. Não salva ninguém.
Falámos tantos anos de tão pouco
entre os campos
do corpo
a fala fende os dentes
o corpo que te ouve ampara
a tua fala
É o último dia mas que dia
poderia deter assim a boca
dizíamos ainda que viríamos
ouvir-nos um ao outro
a fala dolorosa encontra os dentes
e olho a tua boca como um corpo
A escritora Ana Margarida de Carvalho, em Dezembro de
2016, ao fim de 24 anos, foi despedida, da revista Visão e deixou esse
despedimento retratado num depoimento que espelha no que se tornou o jornalismo
português. «Sem uma única palavra de explicação», a jornalista considerou-se
«destratada e desconsiderada e humilhada», para além de ser «coagida a assinar
um contrato de rescisão, tudo menos amigável».
Ana Margarida de Carvalho assinou reportagens que lhe
valeram sete dos mais prestigiados prémios do jornalismo português, entre os
quais o Prémio Gazeta Revelação do Clube de Jornalistas de Lisboa, do Clube de
Jornalistas do Porto ou da Casa da Imprensa. Publicou artigos na revista Ler,
no Jornal de Letras, na Marie Claie e ocupava o
cargo de Grande Repórter na Visão. Também passou pela redacção
da SIC. Foi vencedora do Grande Prémio de Romance e Novela APE com
o seu romance de estreia, «Que Importa a Fúria do Mar» e «Não se Pode Morar nos
Olhos de Um Gato».
«Havia um autor famoso que dizia “fala sobre o que quiseres, mas não escrevas
sobre a vidinha”. Pois venho desobedecer-lhe, é justamente da vidinha que eu
venho aqui tratar. Da minha. E quero, antes de tudo, agradecer a tantos e
tantos amigos e colegas (alguns distantes) que se interessaram e quiseram saber
e me telefonaram e mandaram mensagens. Nem imaginam como foi importante para
mim. Não vou esquecer. Os que não me falaram, não se preocupem, eu já esqueci.
1º- Não deve haver nada mais inglório do que acabar uma carreira de 24 de
jornalismo num gabinete de um director de recursos humanos.
2º- Não deve haver nada mais inglório do que ter de enfrentar sozinha um destes
seres anónimos e transitórios, sem uma única palavra de explicação, de apoio e
de solidariedade de quem devia e podia.
3º- Não deve haver nada mais inglório do que ser destratada e desconsiderada e
humilhada e coagida a assinar um contrato de rescisão, tudo menos amigável.
4º- Este meu despedimento não foi a pior coisa que me aconteceu naquela
redacção. Foi apenas a última.
5º- Não guardo qualquer ressentimento em relação a esta direcção. É tão má como
qualquer outra anterior (sem contar obviamente com a do Carlos Cáceres
Monteiro, o único director, grande-repórter, líder que conheci). Estes apenas
fazem o que lhes mandam- e mal. São outros seres anónimos e transitórios. E
estão assustados (no sentido brechtiano do termo)
6º- Cometi um erro: foi levar o jornalismo demasiado a sério, quando ele não
queria ser levado a sério.
7º- Não, cometi, dois erros: o de a certa altura da minha vida ter colocado o
jornalismo à frente de tudo. Da literatura, sim (comecei a escrever muito
tarde), dos meus próprios filhos, quando eram pequenos - e isto dói.
8º- Terceiro erro (há sempre um terceiro): estava sempre tão atolada em
trabalho, tão concentrada nas reportagens, nas entrevistas, numa correria,
cheia de entusiasmos - o que não faz mal nenhum porque era muito nova, tinha
muita energia, mas tinha muita ingenuidade também. Resultado: nunca dei conta,
a tempo, de como a incompetência e falta de talento estão associadas, por sua
vez, a um talento desmesurado para a intriga e para o 'mau coleguismo'. Palavra
que não fazia ideia de que a inveja podia ser uma força tão mobilizadora.
9º- No jornalismo conheci as piores pessoas, as mais cobardes, as mais
desleais, as mais mesquinhas, as mais medíocres, as mais desinteressantes, as
mais incompetentes, as mais desonestas, algumas nem sabia que podiam existir
(achava que era só nos livros, enfim)... Mas depois conheci pessoas
maravilhosas que se tornaram amigas de infância. E isso vale tudo e apaga o
resto.
10º- Por causa do jornalismo contactei de perto com personalidades admiráveis,
fui a sítios onde jamais iria, conheci mundos outros. Nunca cometi nenhum erro
grosseiro, nunca falhei um prazo, nunca me atrasei na entrega de algum
trabalho... Devo-lhe muito, mas não farei as pazes com o jornalismo tão cedo.
Talvez um dia. Porque o trabalho é um direito, não apenas um dever, a minha
vontade é, juro, ir-me embora, sair do país, ir fazer voluntariado para um
sítio longínquo e perigoso, onde não me considerem «dispensável». . Bom...
depois do Natal logo vejo...
Obrigada a todos os que chegaram até aqui.
A latada de uva morangueira que o Marcolino tinha na
casa de Almoçageme, aquele perfume, um banco quase de jardim, o meu pai a olhar
o silêncio, a ouvir a ronca do Farol do Cabo da Roca.
Dito já que começaram as iniciativas que visam registar o
centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei pegando num
qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um parágrafo, aquilo
que constituem os milhares de sublinhados que, ao longo dos muitos anos de
leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam aBiblioteca da Casa.
Não são abundantes as
citações musicais na obra de José Saramago.
Claro que Saramago,
pessoa do seu tempo, homem de cultura, ia ao cinema,
ouvia música. Neste caso fala-nos das idas aos concertos dos Coro dos Amadores
de Música do amigo e camarada Fernando Lopes Graça.
Tenho a ideia que a
primeira referência que li, feita por Saramago a um compositor, terá sido
Monteverdi, provavelmente em Manual de
Pintura e Caligrafia mas não a consegui encontrar.
Pode ser que seja num outro
livro.
Mas diversas citações
encontramos no Memorial do Convento e em As Intermitências da Morte.
Iremos em busca
desses sublinhados.
Contudo,poderemos ir dizendo que a música que José
Saramago bem sabe e conhece, é a música das palavras que foi utilizando nos seus
livros.
Atentemos no que nos
diz no 2º volume de Os Cadernos de Lanzarote, onde, na página 49, podemos ler:
«Regresso a um tema
recorrente. Todas as características da minha técnica narrativa actual (eu
preferiria dizer: do meu estilo) provêm de um princípio básico segundo o qual
todo o dito de destina a ser ouvido. Quero com
isso significar que é como narrador oral que me vejo quando escrevo e que as
palavras são por mim escritas tanto para serem lidas como para serem ouvidas.
Ora, o narrador oral não usa pontuação, fala como se estivesse a
compor uma música e usa os mesmo elementos que o músico: sons e pausas, altos e
baixos, uns, breves ou longas, outras. Certas tendências, que reconheço e
confirmo (estrutura barroca, oratória circular, simetria de elementos), suponho
que me vêm de uma certa ideia de um discurso oral tomado como música.
Pergunto-me mesmo se não haverá mais do que uma simples coincidência entre o
caráter inorganizado e fragmentário do discurso falado de hoje e as expressões
“mínimas” de certas músicas contemporâneas.»
Adiantamos que na
próxima Festa do Avante, a realizar no primeiro fim-de-semana de Setembro, se
assinala a celebração do centenário do nosso único Nobel através de um concerto
sinfónico, Música na Palavra de Saramago, no dia 2 de Setembro, em que se
ouvirão obras de Scarlatti, Beethoven, J. S. Bach, Elgar, Mozart e António
Pinho Vargas.
Em palco estará a
Orquestra Sinfonietta de Lisboa, dirigida pelo maestro Vasco Pearce de Azevedo,
com os solistas Mafalda Nejmeddine (cravo), Marco Pereira (violoncelo),
Alexandra Bernardo (soprano) e Armando Possante (barítono).
A obra de Saramago
inspirou vários compositores, tanto na música popular como na chamada música
erudita. Por exemplo, neste concerto sinfónico, a peça «Memorial», que encerra
o programa, foi criada por António Pinho Vargas, cuja composição é dedicada aos
romances Ensaio Sobre a Cegueira, As Intermitências da
Morte e Ensaio Sobre a Lucidez.