HARA-KIRI
«Um dos mistérios desta crise é saber o que levou Luís
Montenegro a ignorar todos os avisos e todos os sinais sobre a situação pessoal
em que se colocou e da qual não encontrou - ou não quis encontrar - uma forma
de sair. O que explica a teimosia em recusar o óbvio? Ao longo de mais de uma
semana assistimos a um lento hara-kiri no qual Montenegro foi mutilando a sua
credibilidade. O que podia ter sido apenas uma questão pessoal, escalou
para uma crise política e para a queda do Governo. Aquilo que levou à situação
em que nos encontramos não foram meros erros de comunicação, como Montenegro a
certa altura quis fazer crer. Aquilo que levou à quebra de confiança no
Primeiro-Ministro foi a evidência da sua falta de carácter. É curioso ler o que
Manuel Carvalho escreveu sobre Montenegro no “Público”. Carvalho, um jornalista
que viveu grande parte da sua vida profissional no norte, e que acompanhou a
actividade de políticos e empresários nortenhos, descreve assim Montenegro:
“Pragmático, cínico, realista, lúcido, sonso, cerebral, meste da dissimulação e
da emboscada", useiro na “atitude manhosa perante os adversários que
herdou da longa tradição de conflitos internos e golpes de bastidor do
partido.” As acções de Montenegro nos dias mais recentes cabem dentro deste
retrato. Já se sabia, pela forma como fala e intervém, que não gosta de ser
contrariado, que acha ter sempre razão e que se considera acima de tudo e de
todos. O que levou um homem assim a não perceber o efeito das suas acções? Ao
seu lado perfilou-se todo o Governo mas nem todo o PSD. Os partidos não são
equipas de futebol a quem se deve fidelidade. Em política a fidelidade e a
coerência são aferidas face às ideias e não às pessoas. Quando surgem dúvidas
há respostas que devem ser dadas e uma ética a respeitar: não vale tudo, não
pode valer tudo. As eleições que aí vêm servem para avaliar quem esteve
bem e quem esteve mal, o voto não é cativo.»
Manuel Falcão em A Esquina do Rio
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