Um Olhar Português
Textos de:
Regina Louro,
Francisco José Viegas, Mário Cláudio, Fernando DaCosta, Eugénio de Andrade, Fernando
Assis Pacheco, Hélia Correia, José Cardoso Pires, Mário Ventura, Al Berto,
Lídia Jorge, Viale Moutinho, João de Melo
Capa: João
Machado
Círculo de
Lisboa, Dezembro de 1991.
A vila de Peniche estava toda retalhada por água. Uma
pequena casa envelhecera mesmo dentro do mar, sobre um montículo de pedra e
sedimento. Os pássaros soltavam os seus gritos, feitos para superar o estrondo
das tormentas. Os barcos acolhiam-se ao redor do grande lombo de cimento e
rocha que com eles dormitava, num embalo.
- Foi uma ilha, sabe?
- O quê?
- Peniche.
Mas sob as rodas sentia-se a firmeza do alcatrão.
Mário parou o carro junto ao forte que era agora um
museu da Resistência.
-Quer entrar? – perguntou.
- Não – disse a mãe. Parecia muito desinteressada.
Talvez sentisse fome ou não quisesse, não suportasse recordar-se mais. Dava
aquela viagem por cumprida.
A prisão, pensou ele, tinha a matéria e a alma de um
rochedo. Estava misturada com as ondas. Talvez o seu avô se confortasse com
aquela presença familiar, talvez se distraísse com as fúrias e os arrulhos da
rebentação. Alguns homens haviam-se atirado, nadado para longe, confiando no
mar e não na terra para fugir. Isso fora ainda antes de ele nascer, supunha;
fora há muito tempo já. As coisas que os moveram, que os trouxeram para aqui,
também se consumiram e passaram. «Nunca conhecerei as suas vidas.»
Arrancou devagar, contra o sol baixo.
- No Verão, é tudo bem diferente – disse a mãe. – Há muita
gente, os dias são compridos. Espero que fosse Verão quando ele vinha. Hás-de
pintar um qiadro do Verão.
Mário riu-se:
- Para quê? A mão não gosta.
- Gosto – respondeu ela. – Não entendo, mas nós nunca entendemos muita coisa.
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