quinta-feira, 13 de março de 2025

OLHAR AS CAPAS


 Um Olhar Português

Textos de:

Regina Louro, Francisco José Viegas, Mário Cláudio, Fernando DaCosta, Eugénio de Andrade, Fernando Assis Pacheco, Hélia Correia, José Cardoso Pires, Mário Ventura, Al Berto, Lídia Jorge, Viale Moutinho, João de Melo

Capa: João Machado

Círculo de Lisboa, Dezembro de 1991.

A vila de Peniche estava toda retalhada por água. Uma pequena casa envelhecera mesmo dentro do mar, sobre um montículo de pedra e sedimento. Os pássaros soltavam os seus gritos, feitos para superar o estrondo das tormentas. Os barcos acolhiam-se ao redor do grande lombo de cimento e rocha que com eles dormitava, num embalo.

- Foi uma ilha, sabe?

- O quê?

- Peniche.

Mas sob as rodas sentia-se a firmeza do alcatrão.

Mário parou o carro junto ao forte que era agora um museu da Resistência.

-Quer entrar? – perguntou.

- Não – disse a mãe. Parecia muito desinteressada. Talvez sentisse fome ou não quisesse, não suportasse recordar-se mais. Dava aquela viagem por cumprida.

A prisão, pensou ele, tinha a matéria e a alma de um rochedo. Estava misturada com as ondas. Talvez o seu avô se confortasse com aquela presença familiar, talvez se distraísse com as fúrias e os arrulhos da rebentação. Alguns homens haviam-se atirado, nadado para longe, confiando no mar e não na terra para fugir. Isso fora ainda antes de ele nascer, supunha; fora há muito tempo já. As coisas que os moveram, que os trouxeram para aqui, também se consumiram e passaram. «Nunca conhecerei as suas vidas.»

Arrancou devagar, contra o sol baixo.

- No Verão, é tudo bem diferente – disse a mãe. – Há muita gente, os dias são compridos. Espero que fosse Verão quando ele vinha. Hás-de pintar um qiadro do Verão.

 Mário riu-se:

- Para quê? A mão não gosta.

- Gosto – respondeu ela. – Não entendo, mas nós nunca entendemos muita coisa.

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