segunda-feira, 10 de março de 2025

VENHO OLHAR A TUA QUINTA

 

Venho olhar a tua quinta

que é esta longa seara

de pedra. E vejo ainda

desarmada a mão avara

 

que vai disparar a bala

rente ao ouvido da Manhã.

A luz da aurora é a fala

duma língua temporã

 

que primeiro nada lavra

e é uma charrua de tábua,

mas quando se faz palavra

é um pomar a tua água.

 

Chego-me para olhar a quinta

como se olhá-la adubasse

essa terra tão faminta

da clareza da sintaxe.

 

Vê agora a tua mesa

se é que a luz ainda por vir

te deixa ver a portuguesa

maneira de a servir.

 

O que nela se nos dá

sobra a ausência da toalha

é a pedra que aqui há

como única virtualha.

 

E a mão deflagra o gatilho

secreto do amanhecer.

As palavras são o rastilho

do lume que vai nascer.

 

Toando ao ouvido que ensurdece

o urgentíssimo arcabuz

que da noite lenta tece

uma bengala de luz.

 

Alexandre Pinheiro Torres em Ilha do Desterro

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