«É possível viver no desespero e não desejar a morte?» Imaginava, à laia de divertimento, ler esta pergunta numa espécie de inscrição que um gigantesco morcego de asas desdobradas, semelhante ao que podemos ver na gravura Melancolia de Durer, trazia suspensa das unhas por sobre o mar, à medida que o vaporzinho se ia aproximando, rapidamente, da ilha de Capri. Talvez fosse a atmosfera do temporal iminente a sugerir-me a analogia com a gravura do pintor alemão. Tal como nesta, um arco-íris encurvava as suas cores claras contra o fundo do céu sombrio e o grande despenhadeiro vermelho de Capri alcantilava-se a pique sobre um mar calmo e escuro que, aqui e além, cintilava em ofuscantes reflexos como folha de chumbo riscada pela ponta de uma faca. Nesta paisagem, que parecia a expectativa de uma catástrofe, a inscrição com a pergunta sobre o desespero calhava bem; tal como calhava bem o morcego, pseudo ave crepuscular de voo lúgubre e grito estrídulo. De resto, a pergunta assaltava-me já há algum tempo: não sendo capaz de lhe dar resposta satisfatória, tinha-a sempre diante dos olhos, mesmo em sonho.»
Alberto Moravia
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