Quando começaram, ele deixou escrito
que Os Itinerários do Eduardo andavam à volta de poemas seus, de textos
que se passeiam pelo livrinho de capa vermelha.
Mas não só, por
vezes aparecem por outros caminhos.
É o caso do
itinerário de hoje que agarra num livro do Baptista-Bastos «O Cavalo a
Tinta-da-China» e um do Eduardo «O Revólver do Repórter».
O Eduardo e o
Bastos, para além das conversetas várias em bares, entre cigarradas e copos,
trabalharam no Diário Popular. Lembra o Eduardo na crónica, a que chamou
«Um soco no estômago», «o retrato de uma solidão que dói» que vem
no livro atrás referido:
«Recordo a sala grande da redacção do Diário
Popular, conversas de afecto e companheirismo. Recordo, antes e depois, as
palavras escritas, os pequenos papéis da solidariedade, o tique nervoso do
acender um cigarro, o gesto de agarrar um copo para outra bebida.»
Agora: um soco no estômago. A crueza do vazio. A
dolorosa sensação de um frio interior. A cidade cercada, os campos desolados,
as conversas perdidas, as ruínas circulares de aldeias remotas envoltas em
neblina.
É como se caminhasse com o peso da memória de várias
gerações traídas. Fantasmas entram no discurso e riem nas caveiras brancas de
tanta ingenuidade.»
Tempo para
voltarmos ao livro do Baptista-Bastos:
Clara espera. Tem um livro na mão. Leu algumas
páginas, pousou-o, olha para Manuel, volta a ler algumas páginas, pousa de novo
o livro.
- Que livro é esse?
Clara cerra as persianas, volta a pegar no livro,
dirigisse-se para o espelho, contempla-se, faz uns gestos grotescos, mima
alguém, ri, continua com o livro na mão, ouve-se um estalido da madeira do
armário, Manuel segue todos os seus movimentos, Clara lê em voz alta:
Vai então, contador de histórias, e constrói
a nave dos
milagres. Procura tudo e todos
nos mínimos
sentidos, no lírio das barmas,
na nuvem
secreta, nas formigas, no bosque
que se forma ao
virar da esquina.
É no real que
encontras o sentido último
do mais profundo
e mágico mundo novo.
- Que livro é esse?
- Do Eduardo Guerra Carneiro. Trouxeste-o há dias.
- Ah!, pois. Estive a beber com ele.
- Pois. Já vinhas com uns dedos acima do nível.
- Gosto de beber com ele. É um tipo cordial e louco.
- É bom poeta?
- É muito bom poeta.
- Suficientemente bom?
- Quem o é?
- Quem vence a morte – diz Clara, mais baixo, e retém
o olhar em Manuel. – Quem morre e permanece vivo
- Ou aqueles que disseram coisas que ninguém tinha dito até então.»
Legenda:
Baptista-Bastos no Ritz Club, fotografia tirada do catálogo da Exposição Baptista-Bastos:
Prosador do Mundo, Museu do Neo-Realismo, Abril 2008.
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