Terras do Demo
Aquilino Ribeiro
Livrarias Aillaud e Bertrand, Lisboa 1919
Assim corria o oiro para as gavetas do Gaudêncio; e,
porque era amigo de bem servir e nada onzeneiro nas contas, quem caísse uma vez
na estalagem não demandava outra. Desta guisa enriqueceu, e não como se reza de
hospedeiros que, de noite, vão cravar no coração o marchante enliçado do sono e,
pela calada, depois do roubo, enterram o cadáver no quintal da locanda, debaixo
de duas varas de terra a que dão ar de
não bulida. José Gaudêncio era a honra
em pessoa. Desfeitas nunca as fez e só as recebeu da filha, a Rosalina, se
deixar lograr pelas sete falinhas doces dum recoveiro, cantarino e pé leve, que
devia na pousada de comes e bebes ao redor de cinco libras. Assim lhe pagou o
maninelo, cobrindo-lhe a moça, por amor de quem arrifavam na Serra os morgados
de mais teres. Muita gente se benzeu, rapariga tão mimosa e desenxovalhada, de
boa família, escorregar com um frangalhoteiro das dúzias. Berimbau, isto de
fêmeas, na maré do carvoeiro, nem fechadas numa torre estão seguras. E mais a
Rosalina, de olhos pestanudos e tão mexidos, que a cada mirada, pareciam negacear
a castidade de um santo!
Foi uma vergonhaça naquela casa; o Gaudêncio perdoou,
mas, mais de ano, não lhe conheceu o corpo camisa lavada para festa ou romaria.
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