quarta-feira, 19 de março de 2025

OLHAR AS CAPAS


Terras do Demo

Aquilino Ribeiro

Livrarias Aillaud e Bertrand, Lisboa 1919

Assim corria o oiro para as gavetas do Gaudêncio; e, porque era amigo de bem servir e nada onzeneiro nas contas, quem caísse uma vez na estalagem não demandava outra. Desta guisa enriqueceu, e não como se reza de hospedeiros que, de noite, vão cravar no coração o marchante enliçado do sono e, pela calada, depois do roubo, enterram o cadáver no quintal da locanda, debaixo de duas varas de terra  a que dão ar de não bulida.  José Gaudêncio era a honra em pessoa. Desfeitas nunca as fez e só as recebeu da filha, a Rosalina, se deixar lograr pelas sete falinhas doces dum recoveiro, cantarino e pé leve, que devia na pousada de comes e bebes ao redor de cinco libras. Assim lhe pagou o maninelo, cobrindo-lhe a moça, por amor de quem arrifavam na Serra os morgados de mais teres. Muita gente se benzeu, rapariga tão mimosa e desenxovalhada, de boa família, escorregar com um frangalhoteiro das dúzias. Berimbau, isto de fêmeas, na maré do carvoeiro, nem fechadas numa torre estão seguras. E mais a Rosalina, de olhos pestanudos e tão mexidos, que a cada mirada, pareciam negacear a castidade de um santo!

Foi uma vergonhaça naquela casa; o Gaudêncio perdoou, mas, mais de ano, não lhe conheceu o corpo camisa lavada para festa ou romaria.

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