Difícil, muito difícil mesmo, encontrar na cultura
portuguesa uma personalidade como Vasco Graça Moura que ontem morreu aos 72
anos.
Poeta, ensaísta, romancista, dramaturgo, cronista e tradutor
de clássicos, em todos estes géneros foi um intelectual de excelência, para
além de ter sido uma das muitas personalidades, talvez o mais combativo, que se
manifestam contra o novo Acordo Ortográfico.
Mais uma vez terá que surgir o vulgar lugar-comum: com a
morte de Vasco Graça Moura, a cultura portuguesa fica terrivelmente mais pobre.
blues da morte de amor
já ninguém morre de amor, eu uma vez
andei lá perto, estive mesmo quase,
era um tempo de humores bem sacudidos,
depressões sincopadas, bem graves, minha querida,
mas afinal não morri, como se vê, ah, não,
passava o tempo a ouvir deus e música de jazz,
emagreci bastante, mas safei-me à justa, oh yes,
ah, sim, pela noite dentro, minha querida.
a gente sopra e não atina, há um aperto
no coração, uma tensão no clarinete e
tão desgraçado o que senti, mas realmente,
mas realmente eu nunca tive jeito, ah, não,
eu nunca tive queda para kamikaze,
é tudo uma questão de swing, de swing, minha querida,
saber sair a tempo, saber sair, é claro, mas saber,
e eu não me arrependi, minha querida, ah, não, ah,
sim.
há ritmos na rua que vêm de casa em casa,
ao acender das luzes, uma aqui, outra ali.
mas pode ser que o vendaval um qualquer dia venha
no lusco-fusco da canção parar à minha casa,
o que eu nunca pedi, ah, não, manda calar a gente,
minha querida, toda a gente do bairro,
e então murmurarei, a ver fugir a escala
do clarinete: — morrer ou não morrer, darling, ah,
sim.
Legenda: imagem da Visão.
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