sábado, 12 de abril de 2014

ERA UM REDONDO VOCÁBULO


Nunca conseguirei responder a qualquer pergunta que me dirijam sobre qual o melhor livro, a melhor canção, o melhor filme,  tão pouco consigo formular um top de cinco ou dez dos melhores livros de um autor, as melhores canções de um intérprete, os melhores filmes de um realizador ou artista de cinema.

Entendo como algo que não conduz a parte alguma.

Mas se tivesse, absurdo dos absurdos, de encontrar uma canção que me tenha marcado nos tempos de antes de 25 de Abril, escolheria Era um Redondo Vocábulo que José Afonso incluiu no álbum Venham mais Cinco, editado no Natal de 1973.

Tenho-a como uma das canções mais extraordinárias que em português já se fizeram.

Desculpem o exagerado pendor apaixonado.

Se atentarmos, em relação a muitas outras canções de intervenção, pouco ou nada tem de canto apelativo à luta, mas é uma pérola.

José Afonso escreveu-a quando esteve preso em Caxias.

Uma canção que não consigo catalogar porque tem de tudo, e acima de tudo, aqueles maninhos dedos de um mundo a que se acede pelos degraus de Laura.

Ouve-se Era um Redondo Vocábulo e saltam-nos imaginadas imagens de um Zeca preso numa cela, a solidão, a irresoluta melancolia de uma liberdade que lhe tiraram e que não sabe quando recuperará.

Momento de rara beleza, pérola musical da luta contra a ditadura, o hábito de calar a dor até não sentir nada, mas que também é o sinal breve, mas intenso, que acompanha a esperança de um dia tudo ter o seu fim.

Sim, Era um redondo vocábulo.


Era um redondo vocábulo
Uma soma agreste
Revelavam-se ondas
Em maninhos dedos
Polpas seus cabelos
Resíduos de lar,
Pelos degraus de Laura
A tinta caía
No móvel vazio,
Congregando farpas
Chamando o telefone
Matando baratas
A fúria crescia
Clamando vingança,
Nos degraus de Laura
No quarto das danças
Na rua os meninos
Brincando e Laura
Na sala de espera
Inda o ar educa


Legenda: esta animação em 3d para Era um Redondo Vocábulo é da autoria de Eurico Coelho e foi retirada do You Tube,

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