Queres Fazer o Favor de te Calares?
Raymond Carver
Capa: Jorge
Colombo
Colecção “Estórias” nº 21
Editorial Teorema, Lisboa 1989
Ele estava a ler-lhe Rilke, um poeta que admirava, quando ela
adormeceu com a cabeça no travesseiro dele. Gostava de ler em voz alta e lia
bem, numa voz confiante e sonora, ora baixa e grave, ora retumbante, ora
excitante. Enquanto lia nunca desviava os olhos da página e apenas interrompia
para estender o braço para a mesinha-de-cabeceira e pegar num cigarro. Era uma
voz que a transportava até um sonho povoado de caravanas que iniciavam uma
viagem a partir das cidades rodeadas de ameias, com homens barbudos vestidos
com túnicas. Tinha-o escutado durante alguns minutos, fechara os olhos e
adormecera. Ele continuou a ler em voz alta. Os miúdos já estavam a dormir e lá
fora passava um carro de vez em quando, no pavimento molhado. Passado algum
tempo, pousou o livro e virou-se na cama para alcançar o candeeiro. Ela abriu
os olhos de repente, como se estivesse assustada, e pestanejou duas ou três
vezes. As pálpebras pareciam-lhe, a ele, estranhamente escuras e papudas,
enquanto se abriam e fechavam por cima dos olhos vítreos e fixos. Ele olhou
para ela.
- Estás a sonhar? - perguntou.
Ela acenou com a cabeça e levantou a mão para tocar nos rolos de
plástico, de cada lado da cabeça. Amanhã era sexta-feira, o seu dia de tomar
conta das crianças dos 4 aos 7 anos, nos apartamentos Woodlawn. Ele continuava
a olhar para ela, apoiado no cotovelo, tentando ao mesmo tempo endireitar a coberta
da cama com a mão livre. Ela tinha um rosto com uma pela lisa e as maçãs do
rosto salientes. As maçãs do rosto, frisava ela às vezes aos amigos, eram do
lado do pai, que tinha uma quarta parte de Nez Percé.
- Mike, faz-me uma sanduíche qualquer. Com manteiga, alface e sal
no pão. Ele não fez nada nem disse nada, porque queria dormir. Mas, quando
abriu os olhos, ela ainda estava acordada, a observá-lo.
- Não consegues dormir, Nan? - perguntou ele, de forma muito
solene. - Já é tarde.
- Gostava de comer qualquer coisa primeiro - disse ela. - Não sei
porquê, doem-me as pernas e os braços, mas estou com fome.
Ele resmungou exageradamente e rolou para fora da cama.
Preparou-lhe uma sanduíche e trouxe-lha num pires. Ela sentou-se
na cama e sorriu quando ele entrou no quarto, colocando um travesseiro atrás
das costas enquanto segurava no pires. Ele imaginou que ela parecia uma doente
de hospital, com a sua camisa de dormir branca.
- Que sonhozinho estranho que tive.
- Com o que é que estavas a sonhar perguntou ele, metendo-se na
cama e deitando-se de lado, afastado dela.
Ficou a olhar para a mesinha-de-cabeceira à espera. Depois, fechou
lentamente os olhos.
- Queres mesmo que te conte? - perguntou ela.
- Claro – disse ele
Ela recostou-se confortavelmente no travesseiro e tirou uma migalha de pão do lábio.
- Claro – disse ele
Ela recostou-se confortavelmente no travesseiro e tirou uma migalha de pão do lábio.
(Do conto A Mulher do Estudante)
Sem comentários:
Enviar um comentário