Hoje, contam-se
pelos dedos – devem sobrar dedos… - os editores que, no nosso país, amam
verdadeiramente os livros que fazem.
Claro que sabem da
importância do dinheiro, mas não é o vil metal que lhe faz mover os passos.
Muitos
desbarataram fortunas nessa paixão.
Joaquim
Figueiredo Magalhães foi um desses homens, um verdadeiro patriarca da edição.
Os editores
falham ou porque são dedicadamente editores e não são administradores, ou
porque são friamente administradores e não têm alma de editores, disse a
Catarina Portas.
Aquando da sua
morte, o insuspeito Vitor Silva Tavares disse que tinha sido um dos
melhores editores do Século XX, desenvolvendo um trabalho notabilíssimo.
Sempre acreditei
que a morte não teria coragem de se aproximar dele. Mas, afinal, também ela não
lhe resistiu. Aos 92 anos, desapareceu Joaquim Figueiredo Magalhães, o primeiro
grande editor moderno português. Ele era o homem mais vivo que jamais conheci.
Maravilhosamente culto, espantosamente audaz, loucamente imaginativo e, para
usar uma das suas expressões favoritas, altamente divertido, este homem era
também, em igual medida, justo e generoso. Todos aqueles que gostam de livros
lhe devem mais do que sabem.
Em 1950. Joaquim
Figueiredo Magalhães, abre a sua primeira editora: a Empresa Editora Édipo,
Ldª, sediada na Travessa do Noronha nº 30 e lança a Colecção Escaravelho
d'Ouro com periodicidade mensal.
Os nossos
intelectuais, na altura, entendiam que a literatura policial era secundária, de
fancaria. Mas há livros notáveis: o Chandler, o Dashiel Hammet, a Agatha
Christie, o Simenon, o Maurice Leblanc, fui eu que os editei.
Este é o único
exemplar da Colecção Escaravelho d'Ouro que tenho, um
livro de Raymond Chandler, À Beira do Abismo, editado em Abril de
1951, com tradução de Baptista de Carvalho e capa de Rosa Duarte.
Para garantir o
sucesso da colecção, Figueiredo Magalhães, elaborou um plano de lançamento que
culminava com a oferta de viagens aos locais que serviam à trama policial de
cada história, ou o chamado «local do crime».
Estes são os
livros com a indicação das respectivas viagens:
A campanha de
lançamento chegou ao ponto de, num jogo internacional no Jamor, o editor mandou
fazer chapéus para o sol que tinham escrito Três igual a Um. Compre!
e até pôs um avião no ar com os dizeres Três Igual a Um.
A compra de À
Beira do Abismo possibilitava uma viagem a Monte Carlo.
Na contra capa
são apresentadas as companhias que apoiavam a viagem:
Com os lucros da Escaravelho
d'Ouro, Joaquim Figueiredo Magalhães, lança, dois anos mais tarde, a
Editora Ulisseia.
O primeiro livro
publicado é A Famosa Arte da Imprimição, de Américo Cortês
Pinto.
A obra, acabada
de imprimir na véspera de Natal, tem capa e capitulares de Manuel Rodrigues e é
ilustrada com gravuras do pintor Lino António.
Trata-se de um
belíssimo livro que vem da Biblioteca do meu pai.
Achei que devia iniciar a actividade com um pleito à
arte da edição.
Na Ulisseia
chamou para seus colaboradores Branquinho da Fonseca, Adolfo Casais Monteiro,
Mário Henrique-Leiria, Jorge de Sena, José Blanc de Portugal, João Gaspar
Simões.
Reuniam-se nas
tardes de sexta-feira com uma garrafa de whisky para comentar
os livros, trocar as revistas literárias estrangeiras que assinava, assinalar
possíveis problemas com a censura, decidir tradutores.
Escolhi
escritores como tradutores porque eram homens que sabiam português. É que se eu
quisesse alguém que soubesse línguas, entregava as traduções ao porteiro do
Avenida Palace que sabia oito idiomas, só não sabia era português. Mas também
preferia os escritores porque gostavam do que traduziam, traduziam por
gosto." E pagava bem as traduções, não se esquecendo de, em cada reedição,
enviar um cheque, tanto a tradutores como capistas, no valor de um terço dos
honorários iniciais.
Aos escritores portugueses, propôs desde logo um
negócio inédito. Decidiu pagar os mais altos direitos de autor do mercado, 20
por cento do preço de capa, e adiantava mensalmente uma parcela dessa verba
para que pudessem escrever em paz. Editou José Cardoso Pires, Vergílio
Ferreira, Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca, David Mourão-Ferreira.
Eu estava muito bem colocado entre os jesuítas, a
censura e os comunistas. A dada altura, entregava traduções a presos políticos
em Peniche e em Caxias, justificando à censura que "sempre é preferível
estarem a trabalhar do que a conspirar... E assim as famílias sempre recebiam
algum". Pois nem a censura lhe conseguia resistir, publicou 14 livros
proibidos.
Em 1959, Joaquim
Figueiredo Magalhães, resolve lançar uma revista, oAlmanaque, cujas 18
capas de Sebastião Rodrigues e de Abel Manta são pura antologia da história do
design gráfico português. Cardoso Pires, José Cutileiro, Sttau Monteiro,
Alexandre O'Neill ou Augusto Abelaira são dos mais assíduos, mas a revista
conta com as colaborações de Alexandre Pinheiro Torres, Baptista-Bastos,
Francisco Mata. Irene Lisboa, Almada Negreiros, Sophia de Mello Breyner.
Sem ele e sem o
lugar livre e alegre que ele criou na cultura portuguesa, o regime paroquial e
bronco de Salazar teria sido para muita gente muito mais pesado, escreveu Vasco
Pulido Valente que também colaborou no Almanaque.
Em 1972,
Figueiredo Magalhães, decide vender a Ulisseia.
É aqui que entra
a história de Livros
Entre Bacalhau, Azeite e Vinho a Martelo.
Vitor Silva
Tavares diz que, com a saída de Figueiredo Magalhães a Ulisseia tinha ficado
sem cabeça, e é ele que, à frente da Ulisseia, com novos projectos, faz
renascer toda a qualidade que era apanágio da editora.
Fundei uma
colecção muito bonita, ainda hoje gosto muito dela, “Poesia e Ensaio”. O
Magalhães tinha a colecção dos sucessos literários, com os romances; tinha a
colecção dos Documentos Sociológicos e Políticos; era a Ulisseia que publicava
os livros da Pelikan. Mas não tinha Poesia e Ensaio. E até nessa colecção houve
logo livros apreendidos. Desde “Feira Cabisbaixa” do Alexandre O’Neill a uma
antologia da poesia portuguesa do pós-Guerra, até casos mais graves.
Entretanto
Figueiredo Magalhães quis fazer uma companhia de aviação, depois um negócio de
importação aérea de marisco de Cabo Verde para a Europa, a meias com
Champalimaud. Tudo falhou. Quis comprar a Ulisseia de volta, mas a Verbo não
acedeu. Fundou então a Meridiano para editar livros para a Gulbenkian, passou
como director literário pela Bertrand na revolução, fundou finalmente a
Convergência, que manteve até quase ao fim, no Chiado.
Quando fiz
oitenta anos, decidi que era tempo de começar uma nova etapa na minha vida. E é
por isso que ando a pensar em mudar a editora para uma sociedade só de
mulheres. E não faço de sultão porque já não tenho idade para isso.
Chegou a
contactar Catarina Portas para esse projecto.
Outra das sócias
seria sua mulher, Rosa Lobato Faria, para além de duas moças novas.
Morreu no dia 26
de Novembro de 2008.
Fontes:
Figueiredo
Magalhães- O Homem da Ulisseia, texto de Ricardo Machaqueiro, publicado na
revista Ler nº 44 Inverno 1999.
O Último Livro
da Ulisseia s.f.f. de Catarina Portas texto publicado noPúblico de
Legenda:
Fotografia de
João Francisco Vilhena, publicado na revista Ler nº 44
O exemplar
doaAlmanaque foi tirada da net.
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