quinta-feira, 26 de novembro de 2015

V.S.T. & ETC


Hoje, contam-se pelos dedos – devem sobrar dedos… - os editores que, no nosso país, amam verdadeiramente os livros que fazem.

Claro que sabem da importância do dinheiro, mas não é o vil metal que lhe faz mover os passos.

Muitos desbarataram fortunas nessa paixão.

Joaquim Figueiredo Magalhães foi um desses homens, um verdadeiro patriarca da edição.

Os editores falham ou porque são dedicadamente editores e não são administradores, ou porque são friamente administradores e não têm alma de editores, disse a Catarina Portas.

Aquando da sua morte, o insuspeito Vitor Silva Tavares disse que tinha sido um dos melhores editores do Século XX, desenvolvendo um trabalho notabilíssimo.

Catarina Portas escreveu no Público:

Sempre acreditei que a morte não teria coragem de se aproximar dele. Mas, afinal, também ela não lhe resistiu. Aos 92 anos, desapareceu Joaquim Figueiredo Magalhães, o primeiro grande editor moderno português. Ele era o homem mais vivo que jamais conheci. Maravilhosamente culto, espantosamente audaz, loucamente imaginativo e, para usar uma das suas expressões favoritas, altamente divertido, este homem era também, em igual medida, justo e generoso. Todos aqueles que gostam de livros lhe devem mais do que sabem.

Em 1950. Joaquim Figueiredo Magalhães, abre a sua primeira editora: a Empresa Editora Édipo, Ldª, sediada na Travessa do Noronha nº 30 e lança a Colecção Escaravelho d'Ouro com periodicidade mensal.


Os nossos intelectuais, na altura, entendiam que a literatura policial era secundária, de fancaria. Mas há livros notáveis: o Chandler, o Dashiel Hammet, a Agatha Christie, o Simenon, o Maurice Leblanc, fui eu que os editei.


Este é o único exemplar da Colecção Escaravelho d'Ouro que tenho, um livro de Raymond Chandler, À Beira do Abismo, editado em Abril de 1951, com tradução de Baptista de Carvalho e capa de Rosa Duarte.

Para garantir o sucesso da colecção, Figueiredo Magalhães, elaborou um plano de lançamento que culminava com a oferta de viagens aos locais que serviam à trama policial de cada história, ou o chamado «local do crime».

Estes são os livros com a indicação das respectivas viagens:


A campanha de lançamento chegou ao ponto de, num jogo internacional no Jamor, o editor mandou fazer chapéus para o sol que tinham escrito Três igual a Um. Compre! e até pôs um avião no ar com os dizeres Três Igual a Um.

A compra de À Beira do Abismo possibilitava uma viagem a Monte Carlo.  

Na contra capa são apresentadas as companhias que apoiavam a viagem:



Com os lucros da Escaravelho d'Ouro, Joaquim Figueiredo Magalhães, lança, dois anos mais tarde, a Editora Ulisseia.

O primeiro livro publicado é A Famosa Arte da Imprimição, de Américo Cortês Pinto.

A obra, acabada de imprimir na véspera de Natal, tem capa e capitulares de Manuel Rodrigues e é ilustrada com gravuras do pintor Lino António.

Trata-se de um belíssimo livro que vem da Biblioteca do meu pai.



Achei que devia iniciar a actividade com um pleito à arte da edição.

Na Ulisseia chamou para seus colaboradores Branquinho da Fonseca, Adolfo Casais Monteiro, Mário Henrique-Leiria, Jorge de Sena, José Blanc de Portugal, João Gaspar Simões.
Reuniam-se nas tardes de sexta-feira com uma garrafa de whisky para comentar os livros, trocar as revistas literárias estrangeiras que assinava, assinalar possíveis problemas com a censura, decidir tradutores.

Escolhi escritores como tradutores porque eram homens que sabiam português. É que se eu quisesse alguém que soubesse línguas, entregava as traduções ao porteiro do Avenida Palace que sabia oito idiomas, só não sabia era português. Mas também preferia os escritores porque gostavam do que traduziam, traduziam por gosto." E pagava bem as traduções, não se esquecendo de, em cada reedição, enviar um cheque, tanto a tradutores como capistas, no valor de um terço dos honorários iniciais.

Aos escritores portugueses, propôs desde logo um negócio inédito. Decidiu pagar os mais altos direitos de autor do mercado, 20 por cento do preço de capa, e adiantava mensalmente uma parcela dessa verba para que pudessem escrever em paz. Editou José Cardoso Pires, Vergílio Ferreira, Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca, David Mourão-Ferreira.

Eu estava muito bem colocado entre os jesuítas, a censura e os comunistas. A dada altura, entregava traduções a presos políticos em Peniche e em Caxias, justificando à censura que "sempre é preferível estarem a trabalhar do que a conspirar... E assim as famílias sempre recebiam algum". Pois nem a censura lhe conseguia resistir, publicou 14 livros proibidos.


Em 1959, Joaquim Figueiredo Magalhães, resolve lançar uma revista, oAlmanaque, cujas 18 capas de Sebastião Rodrigues e de Abel Manta são pura antologia da história do design gráfico português. Cardoso Pires, José Cutileiro, Sttau Monteiro, Alexandre O'Neill ou Augusto Abelaira são dos mais assíduos, mas a revista conta com as colaborações de Alexandre Pinheiro Torres, Baptista-Bastos, Francisco Mata. Irene Lisboa, Almada Negreiros, Sophia de Mello Breyner.

Sem ele e sem o lugar livre e alegre que ele criou na cultura portuguesa, o regime paroquial e bronco de Salazar teria sido para muita gente muito mais pesado, escreveu Vasco Pulido Valente que também colaborou no Almanaque.

Em 1972, Figueiredo Magalhães, decide vender a Ulisseia.

É aqui que entra a história de Livros Entre Bacalhau, Azeite e Vinho a Martelo.

Vitor Silva Tavares diz que, com a saída de Figueiredo Magalhães a Ulisseia tinha ficado sem cabeça, e é ele que, à frente da Ulisseia, com novos projectos, faz renascer toda a qualidade que era apanágio da editora.

Fundei uma colecção muito bonita, ainda hoje gosto muito dela, “Poesia e Ensaio”. O Magalhães tinha a colecção dos sucessos literários, com os romances; tinha a colecção dos Documentos Sociológicos e Políticos; era a Ulisseia que publicava os livros da Pelikan. Mas não tinha Poesia e Ensaio. E até nessa colecção houve logo livros apreendidos. Desde “Feira Cabisbaixa” do Alexandre O’Neill a uma antologia da poesia portuguesa do pós-Guerra, até casos mais graves. 

Entretanto Figueiredo Magalhães quis fazer uma companhia de aviação, depois um negócio de importação aérea de marisco de Cabo Verde para a Europa, a meias com Champalimaud. Tudo falhou. Quis comprar a Ulisseia de volta, mas a Verbo não acedeu. Fundou então a Meridiano para editar livros para a Gulbenkian, passou como director literário pela Bertrand na revolução, fundou finalmente a Convergência, que manteve até quase ao fim, no Chiado.

Quando fiz oitenta anos, decidi que era tempo de começar uma nova etapa na minha vida. E é por isso que ando a pensar em mudar a editora para uma sociedade só de mulheres. E não faço de sultão porque já não tenho idade para isso.

Chegou a contactar Catarina Portas para esse projecto.

Outra das sócias seria sua mulher, Rosa Lobato Faria, para além de duas moças novas.

Morreu no dia 26 de Novembro de 2008.

Fontes:
Figueiredo Magalhães- O Homem da Ulisseia, texto de Ricardo Machaqueiro, publicado na revista Ler nº 44 Inverno 1999.
O Último Livro da Ulisseia s.f.f. de Catarina Portas texto publicado noPúblico de

Legenda:
Fotografia de João Francisco Vilhena, publicado na revista Ler nº 44
O exemplar doaAlmanaque foi tirada da net.

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