Portugal ouve o que te digo: és o tronco
de uma velha árvore cujo coração apodreceu
Há nele um oco tão comprido que não há português
que não o escolha para seu abismo privado
Quem resiste a meter-lhe o braço e a
sondar-lhe o fundo? Fácil é dizer que ele é apenas
um pequenino e inofensivo charco de água estagnada
onde dorme de um sono longo a chuva que caiu
e sempre cai e que nele folhas antiquíssimas já podres
se transformaram em esqueletos de renda
Mas não mergulhes o comprido do teu braço
nunca o mergulhes no tronco de velhas árvores
porque é nelas que os corações apodreceram
e ao fundo só haverá talvez pequenos charcos
de água estagnada onde apenas para si
sonha a chuva que caiu e sempre cai
e há folhas muito velhas agora
apenas renda
e o bico de uma águia morta escancarado
como uma armadilha para te cortar a mão
Cautela velho português que precisas dela
para afastar do teu caminho os troncos
de velhas árvores de corações apodrecidos
onde ao fundo a chuva empoça e há folhas
que a morte enreda e um bico de águia morta
pronta para te apanhar Há
nesses troncos
pequenos buracos escondidos onde crescem olhos
com pestanas que abrem e fecham conforme
desce ou sobe a água da maré das chuvas
Nunca lá metas a mão porque nos troncos
de velhas árvores onde
apodreceram sim
os corações há ocos do tamanho
de um
braço de um homem onde olhos
escondidos
vivem à tua espreita e bocas que soletram
palavras de encantamento enlaçadas em bocas
apodrecidas e no fundo lá dos
fundos
para sempre afogada a mão
exangue doutro homem
Alexandre Pinheiro
Torres em O Ressentimento dum Ocidental
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