Plenos Poderes
Pablo Neruda
Tradução Luís
Pignatelli
Capa: Fernando
Felgueiras
Poesia Século XX nº 8
Publicações Dom
Quixote, Lisboa, Maio de 1977
Dever do Poeta
Àquele que não escuta o mar nesta manhã
de sexta-feira e encarcerado está dentro de algo,
casa, escritório, fábrica ou mulher,
ou rua ou mina ou árido calabouço…
a esse acorro eu e sem falar nem ver
chego e abro a porta da clausura
e ao abri-la um vago burburinho ouve-se dentro,
um longo trovão desfeito encorpora-se
ao peso do planeta e da espuma,
surgem os rios rumorosos do oceano,
vibra veloz no seu rosal a estrela
e o mar palpita, fenece e continua.
Assim pelo destino conduzido
devo sem descanso ouvir e conservar
o lamento marinho na minha consciência,
devo sentir a pancada violenta da água
e recolhê-la numa taça eterna
para que onde esteja o encarcerado,
onde sofra o castigo do Outono
esteja eu presente com uma onda errante,
circule eu através das janelas
e ao ouvir-me o olhar levante
dizendo: como chegarei eu junto do oceano?
Então sem dizer nada transmitirei
os ecos rutilantes da onda,
uma derrocada de espuma e areais,
um sussurro de sal que se afasta,
o grito cinzento da ave do litoral.
E assim, a liberdade e o mar responderão
por mim ao sombrio coração.
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