Depois de publicar
Linhas de Força, o seu quarto livro de poemas, António Gedeão sentiu-se cansado
e dispôs-se a não publicar mais poesia.
«Cansado de olhar o mundo e de o ver sempre igual a si mesmo, corrupto
e velhaco, ávido e insaciável. Talvez que um ou outro ser humano precisasse da
minha poesia. Esses que me desculpassem, que relessem o que já possuíam e a
repetissem quantas vezes quisessem. Foi para esses seres que escrevi e
alegro-me de lhes ter feito bem, porque o fiz, tenho provas disso. Eu nunca
escrevi poemas para ser conhecido, para ser falado, para ser elogiado. Sou um
triste ser, risonho e às vezes até divertido. Gosto de exercer o bem e de amar
o próximo distante. E nada peço em troca.
Numa noite quente, de verão, em que as vozes alegres dos quintais
vizinhos, entravam pela janela do meu quarto, António Gedeão morreu, olhando o
chão, sem uma palavra. Gostei de o ver morrer, cheio de saúde, vigorosamente
inútil. Envolvi-o nos olhos, aconcheguei-o e sepultei-o no esconderijo da
memória. Adeus, António. Adeus. Para sempre?
Em 1983, dezasseis anos depois da publicação do último livro, Linhas de
Força, surge nas livrarias um novo volume de António Gedeão. Intitulava-se
Poemas Póstumos.
Que diria Jorge de Sena a este insólito acontecimento? Gostava de o
saber e ele certamente mais do que eu pois já então falecera há cinco anos.»
Rómulo de Carvalho em
Memórias
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