De Carcavelos, a 16
de Abril de 1974 – mais uns dias e será 25 de Abril de 1974! – Mário-Henrique escreve à «Querida Menina»:
É pena que não tenha gostado de Istambul, a velha Constantinopla dos
nossos sonhos de infância. Eu confesso que gostei; mas eu sou um vagabundo, bem
sabes. Galata, peixe frito com aquele vinho transparente da Ásia Menor,
azeitonas, andar pendurado nos eléctricos à cunha, negociatas aldrabonas no
Bazar, enfim, uma gente humana, gritadora e trafulha, mas muito viva. Bem, isto
foi por 1957, já lá vão tantos anos que talvez o que m reste na memória seja
apenas aquela saudade melancólica que embeleza tudo. Sei lá!
Desculpa este discordar de ti. Olha tenho andado (e ando9 numa tal
depressão moral (e até física) que nem sei como vou sair dela. Não consigo
escrever uma linha, nem sequer as colaborações para os habituais pasquins.
Nada. O que desejava era meter-me num buraco, numa terra distante, ficar só,
nem sei o que desejo, realmente estou besta mesmo. Passo os dias deitado a
olhar para o tecto e a fumar cigarros… e a beber doses industriais de tudo o
que consigo arranjar (se consigo, já se vê). Valerá a pena estar vivo? Cada vez
pergunto com mais insistência isto a mim mesmo. Não sei, na verdade não sei
nada.
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